Um
Profeta Leigo
Há gestos que definem a grandeza ou a pequenês de uma
pessoa.
Na verdade pequenos gestos podem revelar grandeza humana. Lembremo-nos do que
disse Madre Teresa de Calcutá: “Não podemos fazer grandes coisas; apenas pequenas coisas com muito
amor.”
Quero, neste texto, me lembrar de gestos que testemunham as altitudes
a que pode elevar-se o ser humano.
Ocorreu em Vitória há alguns anos um despejo coletivo de famílias
pobres que se alojaram num terreno abandonado que era, entretanto, propriedade
de alguém.
A Constituição Federal, no seu artigo quinto, parágrafo
vinte e dois, garante o direito de propriedade.
Baseando-se, exclusivamente, na literalidade desse dispositivo, o
Juiz de Direito emitiu ordem de despejo em desfavor dos moradores, já que não
dispunham de título legal.
As famílias desalojadas de seus lares miseráveis dirigiram-se para a
praça da Catedral de Vitória, que fica na frente do Palácio Anchieta e ao lado
do então Palácio da Justiça.
Durante o trajeto a multidão cantava um hino cujo estribilho era
este: “Queremos terra na terra, já temos terra no céu.”
Dom João Baptista da Motta e Albuquerque, que era na época o
Arcebispo de Vitória, determinou que as portas da Catedral fossem abertas para
receber toda aquela gente sofrida. Importante foi, naquela situação, o papel
desempenhado pelo médico Rogério Coelho Vello que se debruçou sobre aquelas
pessoas, principalmente sobre as crianças, pois ele era um pediatra.
Providenciou vacinas e tudo fez para minorar os sofrimentos que testemunhou.
Outra figura que desempenhou papel relevante, no palco dos acontecimentos, foi a
freira Heloísa Maria Rodrigues da Cunha, ela também conhecedora de assuntos de
prevenção de doenças, pois seu pai era médico.
Num primeiro momento, receber os despejados na Casa de Deus foi um
ato profético de extrema sabedoria. Entretanto, aquele quadro não podia
prosseguir.
Foi nesta hora que irrompe um outro Profeta, um leigo que se chama
Jamil Moysés, falecido recentemente. Ele era o então presidente da instituição
que veio depois a denominar-se Fundação do Menor. Um grande terreno tinha sido
destinado pelo Governo a essa instituição, mas não havia ainda qualquer estudo
técnico para dar destino a essa terra. Jamil Moysés compreendeu que, à face da
emergência dramática, seria acertado acolher naquele chão os despejados,
inclusive porque havia inúmeras crianças passando por aquele
sofrimento.
E todo aquele povo seguiu feliz para a área que Jamil Moysés
transformou na Terra Prometida do relato bíblico.
Ali se formou um novo bairro que hoje tem o nome de Padre Gabriel. O
bairro tem escola, posto de saúde, igrejas, uma estrutura minima para a vida
digna a que todos têm direito.
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João Baptista Herkenhoff é juiz de Direito aposentado, Livre-Docente
da Universidade Federal do Espírito Santo e escritor.
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