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Resultados da pesquisa

29 de abr. de 2008

Edição 142

JORNAL RECOMEÇO
Ano VII - Abril de 2008
http://www.jornalrecomeco.com/
ABERTURA
A mão suja - Carlos Drummond de Andrade
A abertura desta edição vai para os criminosos do andar de cima, impunes neste país. Para esses que, com todos os seus roubos e crimes, recebem rapidinho um habeas-corpus da justiça brasileira.
MATÉRIAS
- Livro: A Justiça a serviço do crime (Consultor Jurídico)
- Vítimas da Justiça - Didimo Paiva (jornalista)
- Corporativismo: Ações de juízes contra a mídia (FSP)
- Punição ou redenção (Estado de Minas)
- Texto dos detentos (Jornal Recomeço)
NOTA
O site do jornal Recomeço contém todas as edições do jornal impresso desde o início, em 2001.

26 de abr. de 2008

Que decepção, presidente Lula!

Contra a injustiça, quero uma
overdose de pirotecnia
Lula chama de pirotecnia a investigação e o trabalho da imprensa no caso Isabella
Pois eu, presidente, queria mais pirotecnia.Queria um show de pirotecnia, uma overdose de pirotecnia, a cada assassinato de uma pessoa neste país, onde matar virou banalidade e, nas favelas e periferias, virou esporte da polícia
Foi chocante assistir hoje ao presidente Lula defender, em pleno comício de rua em São Bernardo do Campo, o casal que matou a menina Isabella. Disse que o casal estava sendo condenado inocente e o verdadeiro culpado poderia estar sendo encoberto.
Lula disse que a averiguação da polícia e o trabalho da imprensa têm sido um show de pirotecnia e que "está preocupado" que inocente termine culpado.
Mas o que é isso, presidente Lula?
Será que o senhor não sabe que, se não fosse a pirotecnia da imprensa, o casalzinho já estaria sendo coroado como santo, com um habeas corpus antecipado pela justiça na suprema corte, como tem sido feito com todos os assassinos bem nascidos neste país? E que, mesmo com toda pirotecnia, isso corre o risco de acontecer como acontece até com assassinos confessos como o jornalista Pimenta Neves e o médico esquartejador Farah Jorge Farah, condenados pelo júri, mas soltos pelo STF, o supremo tribunal da (in) justiça?
Será que o senhor não conhece a justiça do seu país, exigente com os pobres e generosa com os os descendentes da Casa Grande?
Olhe, presidente Lula, se ainda há algum mínimo de justiça neste país que o senhor governa, saiba que é graças à imprensa e aos protestos do povo.
Fiquei chocada, presidente. Ouvi-lo dizer isso, justamente no outro dia em que onze (11) moradores da favela foram mortos pela polícia em uma operação da Polícia Militar na Cidade de Deus, em Jacarepaguá, entre elas uma idosa.
E pasme, senhor presidente, não houve pirotecnia nem da imprensa, nem da polícia investigativa porque são moradores da favela e matá-los é rotina no Brasil. E também não houve nem uma palavra de indignação do presidente da República, que ultimamente, anda virando a casaca, mudando de time.
Pois eu, presidente, quando for pela justiça, o mínimo de justiça neste país, eu quero que a gente sofra uma overdose de pirotecnia. É a única esperança de que os culpados não continuem a incentivar a mortandade neste país. Porque a cada assassino acobertado pela Justiça são mais milhares condenados à morte pela impunidade.
Para ler sobre a declaração de Lula clique aqui

25 de abr. de 2008

Alunos espancados no Paraná

BARBÁRIE
Policiais espancam alunos dentro de uma escola pública
Para ver o vídeo clique aqui
Comentário do blog
A que ponto chega a barbárie neste país: representantes do Estado atacam adolescentes dentro de uma instituição do Estado, apoiados por funcionárias educacionais do Estado. A secretária da escola alega que não puderam impedir porque "são autoridades, estão na função deles". Além de insensível, são ignorantes: considerar que policiais podem espancar. Não dá mais para camuflar. Estamos vivendo o tempo dos assassinos, o fascismo à brasileira.

24 de abr. de 2008

A volta do prefeito

“Conheci o inferno. Acho que Deus me colocou lá para ver o que é o sistema prisional deste país” (Prefeito Alberto Bejani falando sobre os dias presos)
Além de dinheiro e carros, com o prefeito foram apreendidos um revólver, duas carabinas e duas pistolas, uma delas, segundo PF, de uso restrito das forças de segurança. Bejani confirmou que a pistola foi dada de presente pelo ex-detetive da Polícia Civil, Mauro Fusco, e que arma tem calibre 380, de posse permitida no Brasil. O prefeito também falou sobre os 14 dias em que ficou detido na penitenciária Nelson Hungria.
Perguntas:
- Por que o prefeito tinha tanta arma dentro de casa?
- Por que um policial daria uma arma de presente a um prefeito?
- O prefeito disse que vai explicar o milhão de reais "debaixo do colchão", por que não explicou ainda? Está pensando num plano?
- Autoridade, como a mulher de César, não basta ser honesta, tem de parecer honesta. Como uma autoridade com acusação tão grave ainda é recebido com foguetório na cidade? Brasileiro tem afinidade com a corrupção?
NOTA
Trago este tema sobre o prefeito Alberto Bejani de Juiz de Fora, não por razões políticas, porque sou totalmente alheia a política "partidária", mas pelo vínculo com a minha luta por justiça e contra a impunidade dos poderosos no país.
Trabalho com presos, sinto na carne a dor de conviver com a realidade de homens e mulheres com suas vidas destruídas ao serem presos por qualquer delito e ficarem mofando em prisões sub-humanas, sem direito de defesa e à revelia da Lei de Execução Penal que não é cumprida pelos próprios agentes da lei.
É revoltante e enojante quando vemos que quando se trata de "figuras da elite" (elite de quê?) a justiça é ágil, compassiva e generosa. Justamente com aqueles que mais se devia cobrar, já que tiveram oportunidade e condições de serem éticos e honestos, já receberam da vida mais do que o quinhão a que todos deveriam ter direito nesta vida.
Lembrando Fernando Sabino:
"Para os pobres, é dura lex, sed lex. A lei é dura, mas é a lei. Para os ricos, é dura lex, sed latex. A lei é dura, mas estica."
E como estica...

23 de abr. de 2008

Bejani já está livre

Brasil, o país órfão de justiça
Tribunal de Justiça concede habeas corpus ao prefeito de Juiz de Fora, que estava preso desde o dia 9, depois de ser flagrado pela Polícia Federal com armas e R$ 1,1 milhão em casa
Observem o sorriso de Monalisa do prefeito Alberto Bejani ao deixar a prisão: está confiante, sabe que a justiça nunca falha na sua missão de defender os poderosos. Posso ler seu pensamento:"sempre soube que poderia contar com a generosidade da justiça". E faz uma agradecimento comovido, cheio de gratidão: "Obrigado, senhores desembargadores!".


Os desembargadores generosos e as brechas da lei para "gente fina" (sic)
A decisão do Tribunal de Justiça foi unânime. Quatro desembargadores (Antônio Carlos Cruvinel, Paulo César Dias, José Antônio Baía Borges e Antônio Armando dos Anjos) votaram com o relator do processo, o presidente da câmara, Sérgio Resende. Ele se baseou na Medida Provisória 417, editada pelo governo federal em 31 de janeiro, que prorroga até 31 de dezembro próximo o prazo para registro ou entrega de armas.
Fonte da notícia: Portal UAI (o jornal só abre para assinante)

22 de abr. de 2008

Protesto contra Ziraldo

Investimento revolucionário
Abaixo-assinado contesta indenização a Ziraldo e Jaguar
Um abaixo-assinado online endereçado ao ministro da Justiça Tarso Genro foi criada para contestar a indenização que os cartunistas Ziraldo Alves Pinto e Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe, o Jaguar, ganharam da Comissão de Anistia — clique aqui para assinar a carta.
A comissão do Ministério da Justiça decidiu, na sexta-feira (4/4), indenizar os cartunistas pela repressão sofrida durante a ditadura militar. Jaguar receberá uma pensão mensal de R$ 4.375,88 e uma bolada retroativa de pouco mais de R$ 1 milhão. Ziraldo terá direito ao mesmo valor mensal, mais R$ 1 milhão. Ao todo, 104 processos de jornalistas foram mapeados e considerados como prioridades legais. Do total, a comissão concluiu que 54 já poderiam ser julgados.
Os dois cartunistas, fundadores do Pasquim e colaboradores de diversos veículos da imprensa brasileira nos últimos 40 anos, foram indenizados com o argumento de que foram vítimas da opressão do Estado na ditadura militar (1964-1985).
A carta que introduz o abaixo-assinado diz que a decisão do Ministério da Justiça é um equívoco lamentável. “Tudo à custa de nosso trabalho, raspado de nossos bolsos, em decisão que enxovalha o Estado de Direito e a seriedade no trato dos dinheiros públicos.”
Segundo o texto do abaixo-assinado, a ditadura causou sofrimento a todos os brasileiros e, por isso, não pode ser encarado como negócio. “A ditadura não só não provocou danos terríveis a Ziraldo e Jaguar, como agora os enriquece e os tornam milionários à custa de um país de miseráveis e doentes.” O texto é aberto com uma frase de Millôr Fernandes: “Então eles não estavam fazendo uma rebelião, mas um investimento”.
“Exigimos mais critério, seriedade e parcimônia na concessão de tais indenizações pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Para que se evitem espetáculos bisonhos como o que assistimos”, finaliza o documento.
Leia a carta
Repúdio às imorais indenizações de Ziraldo e Jaguar
“Então eles não estavam fazendo uma rebelião, mas um investimento.”
(Millôr Fernandes)
Exmo. Sr.
Tarso Genro
Ministro da Justiça
Brasília – DF
Excelência,
Repudiamos a decisão imoral da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, que - de forma afrontosa, absurda e injustificável — premiou os cartunistas Ziraldo Alves Pinto e Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe, o “Jaguar”, fundadores de “O Pasquim”, com acintosas e indecentes “indenizações”.
Sem desconhecer ou negar os méritos do extinto jornal e sua corajosa participação na luta contra o regime implantado pelo golpe de 1964, não se pode, de forma alguma, aceitar esse equívoco lamentável do Ministério da Justiça, que nos custará a bagatela de R$ 1.253.000,24 (hum milhão duzentos e cinqüenta e sete mil reais e vinte e quatro centavos) para Ziraldo, e outros R$ 1.027.383,29 (hum milhão vinte e sete mil trezentos e oitenta e três reais e vinte e nove centavos) para Jaguar, além de polpudas pensões mensais e vitalícias. Isso tudo à custa de nosso trabalho, raspado de nossos bolsos, em decisão que enxovalha o Estado de Direito e a seriedade no trato dos dinheiros públicos.
Há que se registrar a cupidez vergonhosa de dois jornalistas do nível de Ziraldo e Jaguar, que encerram suas vidas profissionais desenhando em tinta marrom a charge da desmoralização de suas lutas e da degradação moral de suas biografias. Transformaram em negócio o que pensávamos ter sido feito por dignidade pessoal e bravura cívica. Receberam, por décadas, o nosso aplauso sincero. Agora, por dinheiro, escarnecem de toda a cidadania, chocada e atônita com a revelação de suas verdadeiras personalidades e intenções.
Com a ditadura sofreram todos os brasileiros. Por isso não encaramos como negócio lucrativo, prebendário e vergonhoso o que se fez por idealismo, honradez e dever. A ditadura não só não provocou danos terríveis a Ziraldo e Jaguar, como agora os enriquece e os torna milionários à custa de um país de miseráveis e doentes.
Aplaudimos os demais jornalistas que fizeram o saudoso semanário pela decisão de não acompanharem Ziraldo e Jaguar nessa pilhagem, roubando dos brasileiros o dinheiro que deveria (e poderia) estar sendo utilizado na construção de hospitais, num país de doentes; de escolas, num país de analfabetos; na geração de empregos, num país de desempregados.
Que se degradem, que se desmoralizem, que se mostrem publicamente de uma forma que jamais poderíamos esperar. Mas não à custa de nossos bolsos, surrupiando o dinheiro suado de milhões de brasileiros que sofreram com o regime de exceção, mas nem por isso se acham no direito de “ganhar na loteria”.
Exigimos mais critério, seriedade e parcimônia na concessão de tais indenizações pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Para que se evitem espetáculos bisonhos como o que assistimos.
Revista Consultor Jurídico, 8 de abril de 2008

19 de abr. de 2008

Tortura legalizada

O país onde torturar e matar tem amparo do Judiciário

Policiais acusados de torturar jovem serão soltos

Quarta, 16 de abril de 2008
Os policiais Emerson Ferreira, Gerson Gonzaga da Silva, JulianoArcângelo, Ricardo Ottaviani e Maurício Augusto Delasta, acusados detorturar e matar um jovem de 15 anos, em Bauru, poderão responder aoprocesso em liberdade. O relaxamento de prisão foi concedido naterça-feira aos acusados, pela 1ª Vara Criminal de Bauru.» Presos 6 PMs suspeitos de tortura» vc repórter: mande fotos e notíciasDepois do crime, ocorrido em dezembro do ano passado, o corpo do jovemapresentava sinais de tortura e choque elétrico. Os policiais foramautuados em flagrante e foram presos. Eles alegaram que o garoto haviaroubado uma moto.Segundo a assessoria do Tribunal de Justiça, apenas um dos policiaisque respondem ao processo não recebeu o benefício, o tenente RogerMarcel Vitiver Soares de Souza.
Fonte: Redação Terra (clique aqui)
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O CASO: 16 de dezembro de 2007
Polícia prende seis PMs acusados de tortura e morte
Seis policiais da cidade de Bauru, no interior de São Paulo, foram presos em flagrante depois que um adolescente de 15 anos foi encontrado morto, com marcas de queimaduras por choque elétrico e hematomas pelo corpo. De acordo com o jornal A Cidade, o crime ocorreu durante a madrugada, quando os policiais atendiam a uma denúncia de moto roubada. A moto em questão estaria no quintal da casa da vítima e ele teria sido torturado dentro da própria residência. A polícia afirma ter encontrado o veículo, além de maconha, dentro da casa.Os policiais detidos disseram que o adolescente sofreu um mal súbito no momento da prisão.

18 de abr. de 2008

Esquartejador sai livre

Justiça de mentira
O médico é réu confesso do assassinato e esquartejamento de sua paciente e ex-amante Maria do Carmo Alves. O crime ocorreu no dia 24 de janeiro de 2003, em Santana, SP.
No Brasil, nem esquartejando, assassino de classe alta vai para a prisão. "Eu estaria afrontando a decisão do Supremo Tribunal Federal se o mandasse preso", afirmou o juiz. O STF está acima da Constituição Federal. E a lei Maria da Penha? E a lei de Crimes Hediondos? Como sói acontecer neste país, é só para pobre. Ou matar e esquartejar não é nada hediondo?

Leia notícia de hoje na Folha de São Paulo:
Esquartejador pega 13 anos,
mas fica livre
O ex-médico Farah Jorge Farah foi julgado pelo assassinato e a ocultação do cadáver de uma ex-paciente, em 2003. Farah aguardará em liberdade a decisão do recurso que seus advogados vão apresentar; pena é em prisão de regime fechado
O ex-médico Farah Jorge Farah, 58, foi condenado ontem a 13 anos de prisão em regime fechado por assassinar e ocultar o corpo de Maria do Carmo Alves, uma ex-paciente.Ele também recebeu multa equivalente a meio salário mínimo pela ocultação do corpo. O crime aconteceu em 2003.A defesa vai recorrer. Farah aguardará em liberdade, amparado por um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal."De lá para cá, não se alterou nada. Eu estaria afrontando a decisão do Supremo Tribunal Federal se o mandasse preso", afirmou o juiz. Em maio de 2007, Farah conseguiu o habeas corpus depois de passar cerca de quatro anos preso.O júri acatou as duas qualificadoras (agravantes) apontadas pela acusação -motivo torpe e emprego de meio que impossibilitou a defesa da vítima (que estava sedada).Os parentes de Maria do Carmo e a Promotoria consideraram a pena "branda". "Foi pouco para o que ele fez com a minha filha. Ele acabou com a vida dela e com a minha", disse a mãe de Maria do Carmo, Alice Silva, após o julgamento.O juiz Rogério de Toledo Pierre, que proferiu a sentença, afirmou que a pena foi "extremamente adequada". "Não se pode confundir a comoção, o choque que é ver as fotos do corpo esquartejado, com uma reprimenda que não seja adequada", afirmou.

13 de abr. de 2008

Vou-me embora pro Brasil

A operação Pasárgada já passou
“Leis são como teias de aranha que prendem os pobres e fracos, enquanto os ricos e poderosos as quebram facilmente.” (Anacharsis)
Dia 10, há três dias atrás, noticiei 13 prefeitos presos em MG . Foram oito meses de investigação da Polícia Federal na operação Pasárgada. Pelo tempo e cuidado, vê-se que a coisa é séria. Não é como as polícias que chegam no morro e nem prendem para averiguar, já vão derrubando dezenas com um tiro direto no coração ou na cabeça. O judiciário não se manifesta contra o genocídio. Afinal é "gente de morro", aqueles, infelizmente, sobreviventes da escravidão. Quando que a "corte" vai se importar com esses párias? Eu acho que devia, nem que fosse por vaidade de reivindicar a sua função de julgar.
Mais um pouco e não precisaremos mais de poder judiciário no Brasil. Basta uma informação: pobre ou negro? Culpado. Branco bem de vida? Inocente. Simples, não? E vocês ficam querendo complicar o esquema de mais de 500 anos no país. Já vem do tempo do Império o perfeito ditado: "Quem rouba um tostão, é ladrão: quem rouba um milhão é barão". Quem vai mudar o ditado, que é a voz do povo?
Uns gatos-pingados, eu entre eles, ficamos aqui tentando, mas não tem jeito. Quando se trata de "gente fina", o buraco é mais "em cima". Com essa gente, a justiça é afável, digamos uma mãe protetora e generosa, nunca os deixa no abandono. E rápida: em três dias mandou soltar todos os autores do roubo dos 200 milhões. Afinal, como diz Millôr Fernandes:
"Quando disserem que o crime não compensa, você tem de se lembrar que isso é porque, quando compensa, não é crime."
É isso, gente, vocês têm dificuldade para entender a ordem das coisas no Brasil. Ninguém pode negar a eficiência da nossa justiça em seu objetivo de inocentar ricos e prender pobres. E a corte falou, tá falado. Então, estamos conversados, voltam todos para Pasárgada, e tudo como dantes no quartel de Abrantes.

Leiam a notícia que acabei de ler no jornal (EM):

Justiça revoga prisões
Tribunal Regional Federal acata recurso de juiz e manda liberá-lo juntamente com os outros 49 detidos pela Polícia Federal, entre eles estão 14 prefeitos de Minas Gerais

A corte especial do Tribunal Regional Federal da 1ª Região revogou, na madrugada de ontem, decreto de prisão temporária dos 50 suspeitos de envolvimento no esquema de liberação irregular de verbas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), desvendado pela Operação Pasárgada, da Polícia Federal. Desses, 16 são prefeitos, dos quais 14 de Minas e dois dos municípios baianos de Itabela e de Sobradinho.

Entre os presos estavam o juiz federal Weliton Militão dos Santos, nove advogados e um gerente da Caixa Econômica Federal. Durante todo o dia de ontem advogados e familiares dos detidos aguardaram à porta da Penitenciária Nelson Hungria, onde estavam 40 envolvidos, o cumprimento do alvará de soltura que foi levado às 6h pelo oficial de Justiça. Entretanto, muitas complicações atrasaram a execução da ordem judicial. Até o fim desta edição, nenhum dos presos na penitenciária havia sido libertado. Segundo Genilson Zeferino, subsecretário de Administração, o alvará coletivo de soltura não discriminou a identidade e o CPF dos envolvidos na operação. Ele assinalou que por causa disso o processo se alongou. Uma das dificuldades para a libertação, foi o fato de na lista haver homônimos presos. Segundo o advogado e juiz aposentado Élder Afonso dos Santos, que defende dois advogados detidos na operação, como o alvará de soltura não qualificou os presos a serem liberados, o presídio não teve como checar no sistema se não existem outras ordens de prisão contra eles, o que impediria o cumprimento do alvará. Sem a consulta, o subsecretário teve que ir até a Polícia Federal para obter os dados completos e retornar à Nelson Hungria. A perspectiva era que os presos fossem libertados ainda ontem à noite.

A outra dificuldade deu-se por haver situações, como a do prefeito de Juiz de Fora, Alberto Bejani (PTB), que no ato de sua prisão foi flagrado com porte ilegal de armas em sua residência, o que constitui um outro crime. Os advogados dos envolvidos tiveram acesso às dependências da penitenciária, para verificar o estado de seus clientes. Já os cinco prefeitos que estavam na cadeia pública de Montes Claros e as mulheres detidas na Penitenciária Feminina Estevão Pinto foram libertados no meio da tarde.

VÍCIO DE ORIGEM - Ao determinar a soltura, a corte do TRF entendeu que houve um vício de origem na expedição dos mandados de prisão, assinados pelo corregedor-geral do tribunal, Jirair Aram Meguerian. A corte chegou a essa decisão quando julgou a defesa de Militão, que argüiu a competência da corregedoria, responsável por questões administrativas, para decidir de modo solitário sobre a prisão dos suspeitos e deu provimento ao recurso do juiz, considerando serem as funções do corregedor “meramente administrativa, não alcançando medidas judicias restritivas de direitos.” A decisão foi estendida a todos os outros 49 presos. Militão estava detido em uma sala do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar, em Brasília, e foi solto pela manhã. Desencadeada na terça-feira de madrugada em Minas Gerais, Bahia e no Distrito Federal, a Operação Pasárgada foi autorizada por Jirair Aram. A Polícia Federal investigava há oito meses um esquema envolvendo municípios em débito com o INSS para liberar os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). As fraudes teriam provocado um prejuízo aos cofres públicos estimado em R$ 200 milhões. Segundo a Polícia Federal os prefeitos contratavam um escritório de advocacia de um suposto lobista, que oferecia vantagens indevidas a juízes e servidores da Justiça para obter decisões favoráveis.
De acordo com a Polícia Federal o escritório de advocacia procurava a prefeitura que firmava acordo com o INSS para quitar o débito previdenciário com um pacote pronto, já com a “decisão judicial” ganha. O objetivo era liberar a parcela do FPM retida no INSS como garantia do pagamento da dívida. Além das 50 prisões – de um total de 52 mandados expedidos – a operação apreendeu documentos, veículos, R$ 1,12 milhão em dinheiro na casa do prefeito de Juiz de Fora, US$ 20 mil, em local não informado, e dois aviões. Vinte e cinco imóveis foram seqüestrados.
________________
Parodiando a poesia Pasárgada (com licença do poeta Manuel Bandeira, que deve estar se revirando no túmulo):
Vou-me embora pro Brasil
Lá sou amigo da corte,
Terei os milhões do povo
Na conta que escolherei

No Brasil tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De proteger a corrupção

E quando eu estiver bem rico
Com milhões no meu colchão
Mandarei construir presídios
Pra garantir minha mansão.

11 de abr. de 2008

Mia Couto e Jorge Amado


Leia a íntegra da palestra do moçambicano Mia Couto em homenagem a Jorge Amado, lida em São Paulo no dia 25 de março


...e fazer do nosso sonho uma casa
Mia Couto

Eu venho de muito longe e trago aquilo que eu acredito ser uma mensagem partilhada pelos meus colegas escritores de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe. A mensagem é a seguinte: Jorge Amado foi o escritor que maior influência teve na gênese da literatura dos países africanos que falam português.
A nossa dívida literária com o Brasil começa há séculos, quando Gregório de Mattos e Tomaz Gonzaga ajudaram a criar os primeiros núcleos literários em Angola e Moçambique. Mas esses níveis de influência foram restritos e não se podem comparar com as marcas profundas e duradouras deixadas pelo baiano.Deve ser dito (como uma confissão à margem) que Jorge Amado fez pela projeção da nação brasileira mais do que todas as instituições governamentais juntas. Não se trata de ajuizar o trabalho dessas instituições, mas apenas de reconhecer o imenso poder da literatura.
Nesta sala, estão outros que igualmente engrandeceram o Brasil e criaram pontes com o resto do mundo. Falo, é claro, de Chico Buarque e Caetano Veloso. Para Chico e Caetano, vai a imensa gratidão dos nossos países que encontraram luz e inspiração na vossa música, na vossa poesia. Para Alberto Costa e Silva vai o nosso agradecimento pelo empenho sério no estudo da realidade histórica do nosso continente.
Nas décadas de 50, 60 e 70, os livros de Jorge cruzaram o Atlântico e causaram um impacto extraordinário no nosso imaginário coletivo. É preciso dizer que o escritor baiano não viajava sozinho: com ele chegavam Manuel Bandeira, Lins do Rego, Jorge de Lima, Erico Veríssimo, Rachel de Queiroz, Drummond de Andrade, João Cabral Melo e Neto e tantos, tantos outros.
Em minha casa, meu pai - que era e é poeta - deu o nome de Jorge a um filho e de Amado a um outro. Apenas eu escapei dessa nomeação referencial. Recordo que, na minha família, a paixão brasileira se repartia entre Graciliano Ramos e Jorge Amado. Mas não havia disputa: Graciliano revelava o osso e a pedra da nação brasileira. Amado exaltava a carne e a festa desse mesmo Brasil.
Neste breve depoimento, eu gostaria de viajar em redor da seguinte interrogação: por que este absoluto fascínio por Jorge Amado, por que esta adesão imediata e duradoura?É sobre algumas dessas razões do amor por Amado que eu gostaria de falar aqui. É evidente que a primeira razão é literária, e reside inteiramente na qualidade do texto do baiano. Eu acho que o maior inimigo do escritor pode ser a própria literatura. Pior que não escrever um livro, é escrevê-lo demasiadamente. Jorge Amado soube tratar a literatura na dose certa, e soube permanecer, para além do texto, um exímio contador de histórias e um notável criador de personagens. Recordo o espanto de Adélia Prado que, após a edição dos seus primeiros versos confessou: “Eu fiz um livro e, meu Deus, não perdi a poesia...” Também Jorge escreveu sem deixar nunca de ser um poeta do romance. Este era um dos segredos do seu fascínio: a sua artificiosa naturalidade, a sua elaborada espontaneidade.
Hoje, ao reler os seus livros, ressalta esse tom de conversa intíma, uma conversa à sombra de uma varanda que começa em Salvador da Bahia e se estende para além do Atlântico. Nesse narrar fluído e espreguiçado, Jorge vai desfiando prosa e os seus personagens saltam da página para a nossa vida cotidiana.
O escritor Gabriel Mariano de Cabo Verde escreveu o seguinte: “Para mim, a descoberta de Amado foi um alumbramento porque eu lia os seus livros e via a minha terra. E quando encontrei Quincas Berro d’Água eu o via na Ilha de São Vicente, na minha rua de Passá Sabe.”
Essa familiaridade existencial foi, certamente, um dos motivos do fascínio nos nossos países. Seus personagens eram vizinhos não de um lugar, mas da nossa própria vida. Gente pobre, gente com os nossos nomes, gente com as nossas raças passeavam pelas páginas do autor brasileiro. Ali estavam os nossos malandros, ali estavam os terreiros onde falamos com os deuses, ali estava o cheiro da nossa comida, ali estava a sensualidade e o perfume das nossas mulheres. No fundo, Jorge Amado nos fazia regressar a nós mesmos.
Em Angola, o poeta Mario António e o cantor Ruy Mingas compuseram uma canção que dizia: Quando li Jubiabá/me acreditei Antônio Balduíno./Meu Primo, que nunca o leu/ficou Zeca Camarão. E era esse o sentimento: António Balduino já morava em Maputo e em Luanda antes de viver como personagem literário. O mesmo sucedia com Vadinho, com Guma, com Pedro Bala, com Tieta, com Dona Flor e Gabriela e com tantos os outros fantásticos personagens.
Jorge não escrevia livros, ele escrevia um país. E não era apenas um autor que nos chegava. Era um Brasil todo inteiro que regressava à África. Havia pois uma outra nação que era longínqua mas não nos era exterior. E nós precisávamos desse Brasil como quem carece de um sonho que nunca antes soubéramos ter. Podia ser um Brasil tipificado e mistificado, mas era um espaço mágico onde nos renasciam os criadores de histórias e produtores de felicidade.
Descobríamos essa nação num momento histórico em que nos faltava ser nação. O Brasil - tão cheio de África, tão cheio da nossa língua e da nossa religiosidade - nos entregava essa margem que nos faltava para sermos rio.
Falei de razões literárias e outras quase ontológicas que ajudam a explicar por que Jorge é tão Amado nos países africanos. Mas existem outros motivos, talvez mais circunstanciais.Nós vivíamos sob um regime de ditadura colonial. As obras de Jorge Amado eram objeto de interdição. Livrarias foram fechadas e editores foram perseguidos por divulgarem essas obras. O encontro com o nosso irmão brasileiro surgia, pois, com épico sabor da afronta e da clandestinidade.A circunstância de partilharmos os mesmos subterrâneos da liberdade também contribuiu para a mística da escrita e do escritor.
O angolano Luandino Vieira, que foi condenado a 14 anos de prisão no Campo de Concentração do Tarrafal, em 1964, fez passar para além das grades uma carta em que pedia o seguinte: “Enviem meu manuscrito ao Jorge Amado para ver se ele consegue publicar lá no Brasil...”Na realidade, os poetas nacionalistas moçambicanos e angolanos ergueram Amado como uma bandeira. Há um poema da nossa Noêmia de Sousa que se chama Poema de João, escrito em 1949 e que começa assim:João era jovem como nós/João tinha os olhos despertos,/As mãos estendidas para a frente,/A cabeça projetada para amanhã,/João amava os livros que tinham alma e carne/João amava a poesia de Jorge Amado.
E há, ainda, outra razão que poderíamos chamar de linguística. No outro lado do mundo, se revelava a possibilidade de um outro lado da nossa língua. Na altura, nós carecíamos de um português sem Portugal, de um idioma que, sendo do Outro, nos ajudasse a encontrar uma identidade própria. Até se dar o encontro com o português brasileiro, nós falávamos uma língua que não nos falava. E ter uma língua assim, apenas por metade, é um outro modo de viver calado. Jorge Amado e os brasileiros nos devolviam a fala, num outro português, mais açucarado, mais dançável, mais a jeito de ser nosso.
O poeta maior de Moçambique, chamado José Craveirinha, disse o seguinte numa entrevista: “Eu devia ter nascido no Brasil. Porque o Brasil teve uma influência tão grande que, em menino eu cheguei a jogar futebol com o Fausto, o Leônidas da Silva, o Pelé. Mas nós éramos obrigados a passar pelos autores clássicos de Portugal. Numa dada altura, porém, nós nos libertamos com a ajuda dos brasileiros. E toda a nossa literatura passou a ser um reflexo da Literatura Brasileira. Quando chegou o Jorge Amado, então, nós tínhamos chegado à nossa própria casa.”
Craveirinha falava dessa grande dádiva que é podermos sonhar em casa e fazer do sonho uma casa. Foi isso que Jorge Amado nos deu. E foi isso que fez Amado ser nosso, africano, e nos fez, a nós, sermos brasileiros. Por ter convertido o Brasil numa casa feita para sonhar, por ter convertido a sua vida em infinitas vidas, nós te agradecemos companheiro Jorge. Muito obrigado.”
***
O escritor Antonio Emílio Leite Couto, Mia Couto, nascido em 1955 na cidade de Beira, em Moçambique, é poeta, contista, cronista e romancista, autor de livros como Terra Sonâmbula, O Último Vôo do Flamingo e O Outro Pé da Sereia, entre outros.
Fonte: O Estado de São Paulo, 5 abril 2008

10 de abr. de 2008

13 prefeitos presos em MG

Até um juiz Federal
Megaoperação estoura esquema, com ramificações na Bahia e no DF, envolvendo mais de 50 pessoas. Um juiz Federal, advogados, gerente da Caixa Econômica Federal e funcionários públicos, inclusive do Judiciário, que também estão sendo presas, completariam o esquema desmontado depois de oito meses de investigações. Para ler, clique aqui
E o editorial do jorna Estado de Minas ( só abre para assinante). Transcrevo para vocês:
Vergonha e indignação
Prisão de prefeitos e de juiz acusados de fraude contra os cofres públicos pede legislação mais severa
Um juiz federal e 15 prefeitos, sendo 13 de Minas e dois da Bahia, foram presos pela Polícia Federal. São acusados de participar de um esquema de fraudes para a liberação irregular de verbas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Outras 35 pessoas, entre elas advogados, um gerente da Caixa Econômica Federal e funcionários públicos, inclusive do Judiciário, que também estão sendo presas, completariam o esquema desmontado depois de oito meses de investigações. A primeira vítima eram os cofres do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) nos quais as prefeituras simplesmente davam o calote. E, como esse tipo de inadimplência veda o acesso ao repasse de verbas federais, um bando de espertinhos montou um esquema para furar o bloqueio legal. Detalhada, a operação envergonha e causa indignação a qualquer pessoa de bem, mais ainda ao cidadão que paga em dia uma das mais pesadas cargas tributárias do mundo.

Para começar, toda essa corrupção só teria se tornado viável graças à participação de um magistrado. Isto é, de alguém muito bem pago pela sociedade para fazer exatamente o contrário: aplicar a lei, punir quem a atropela, enfim, garantir a prevalência da Justiça. A troco de uma boa parcela dos honorários ganhos desonestamente na operação pelos os advogados que armaram a jogada, o juiz é acusado de produzir decisões favoráveis à liberação imediata das verbas para os municípios, a despeito de não terem a menor intenção de quitar suas dívidas com a Previdência. O bando de advogados oferecia o pacote pronto, indo das liminares negociadas com o magistrado até a liberação do dinheiro. Aos prefeitos bastava contratá-los em licitação. Foram presos, em Minas, os de Almenara, Cachoeira da Prata, Conselheiro Lafaiete, Timóteo, Divinópolis, Vespasiano, Ervália, Juiz de Fora, Minas Novas, Salto da Divisa, Medina, Divisa Alegre e Rubim, além de Sobradinho e Itabela, ambas cidades da Bahia.

A todos deve ser garantido amplo direito de defesa. Mas que fique registrada desde já a cobrança de toda a sociedade, especialmente a mineira, de que tudo seja apurado, com seriedade e, preferencialmente, com rapidez. Que a punição seja severa e que pelo menos tenha peso à altura da indignação que tamanha sujeira provocou. Mas isso não é tudo. Na verdade, é só o começo. O caso vem bem a propósito para se promover uma discussão séria e que já está atrasa: é necessário rever a legislação político-eleitoral. Há inúmeros casos de ocupantes de cargos na administração pública, principalmente prefeitos, envolvidos em processos por desvio de verbas, formação de quadrilha e toda a sorte de vilanias.
Amparados por recursos que impedem o encerramento dos processos e a condenação, esses políticos conseguem se perpetuar no poder sem que a Justiça lhes alcance. A sociedade precisa aperfeiçoar os mecanismos de purificação da classe política e banir essa gente para sempre da vida pública. Quanto ao juiz que teria vendido o poder que o povo lhe conferiu pela lei, não é razoável que se lhe conceda punição igual à do cidadão comum. Por fim, é fundamental que se acompanhe cada um desses processos para que a Justiça seja mesmo feita e não se consagre, mais uma vez, a abjeta tradição brasileira da impunidade.
Editorial do jornal Estado de Minas - 10/4/08

9 de abr. de 2008

CNJ revê decisão do TJ do Pará

Enfim, um pouco de luz na justiça
Acrescentamos à postagem abaixo Sobre a menina presa com homens , na qual protestamos contra a juíza inocentada pelo TJ do Pará, um passo novo na justiça. O CNJ não enguliu o absurdo: a juíza vai ser investigada e poderá até ser aposentada compulsoriamente.
O corregedor do Pará, desembargador Constantino Guerreiro, acusou a juíza de infringir a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, o código do Judiciário do Pará e a Resolução do CNJ. O TJ do Pará rejeitou a acusação, mas o CNJ decidiu rever essa decisão. Menos mal! Uma luz começa a surgir no fim do túnel da nossa justiça viciada em corporativismo e impunidade.

Leia notícia na Folha de São Paulo, 9/4/08, caderno Cotidiano:
CNJ vai investigar juíza do caso de menina presa com homens
O CNJ -Conselho Nacional de Justiça- decidiu ontem abrir investigação contra a juíza de Abaetetuba (PA) Clarice Maria de Andrade para apurar se houve omissão no caso da adolescente de 15 anos que foi mantida por 26 dias em uma cela com homens na delegacia do município, em 2007. A decisão foi unânime.Há uma semana, por 15 votos a 7, o Tribunal de Justiça do Pará rejeitou a instauração de processo administrativo disciplinar contra a juíza, por avaliar que ela não poderia ser responsabilizada.Ontem, o CNJ reviu a decisão do TJ paraense. A juíza pode ser punida com a aposentadoria compulsória, com salário proporcional ao tempo de serviço.Foi o corregedor nacional de Justiça e membro do CNJ, ministro Cesar Asfor Rocha, que propôs aos demais conselheiros a revisão da decisão do TJ do Pará.

6 de abr. de 2008

Onde estás, Corregedoria???


Leiam a denúncia no jornal Estado de Minas, seção "Espaço do leitor":
NEGLIGÊNCIA
Assessora responde por tarefa própria de juíza
“Só mesmo recorrendo à imprensa para ver se dá jeito em tanta bandalheira. Não bastassem todos os escândalos nacionais, em Várzea da Palma, Norte do estado, a juíza da 2ª Vara entrega processos e direção de audiências nas mãos da sua assessora, uma moça que, além de não ter capacidade para isso, mesmo porque não fez concurso, passa noites em rodas de bebida, embriagando-se com outros servidores do Fórum, dizendo-se a juíza de fato e que é quem decide no município, adiantando resultados e negociando decisões. A juíza, omissa, nada faz. A Corregedoria de Justiça continua alheia, enquanto esse abuso persiste em Várzea da Palma.”
João Antônio Alves da Silva/Várzea da Palma -MG

Comentário do Recomeço
Essa é mais uma denúncia séria sobre a justiça em Minas Gerais. Espero que, em vez de processarem o leitor-cidadão, o fato seja averiguado e corrigido. Nosso país não tem corregedorias eficientes e essa é uma das nossas maiores mazelas no serviço público, porque corredoria, além de ser para funcionar, é a única defesa do povo que sustenta as instituições públicas. Eu sou pela campanha de um PROCON para serviço público, nos moldes da Lei Federal 8.078/1990. Por que só as instituições privadas são cobradas? Por que temos de engulir goela abaixo os péssimos serviços públicos, cujos funcionários nós pagamos e não temos como cobrar eficiência, responsabilidade, respeito e, acima de tudo, retorno do nosso investimento? Isso precisa mudar no Brasil. Só assim vão acabar as bandalheiras, como disse o denunciante na carta acima. E a mudança só acontecerá através de um povo que conhece seus direitos, cobra, denuncia e exige seriedade das autoridades muito bem instaladas em seus cargos públicos.
* Figura do Frases ilustradas (excelente!!!)

5 de abr. de 2008

Ziraldo e Jaguar: indenizações milionárias

Que feio, Ziraldo!!!
Quem paga é o povo brasileiro. Um país, onde mais de 50 milhões ainda vivem na miséria. Como esses ditos intelectuais não sentem vergonha de sugar a pátria? E com que direito essa justiça pega o nosso dinheiro e dá para esses mercenários? E vejam o cinismo do Ziraldo dizendo que não aceita críticas e quem as fizer é "cagão". E completa: "O Brasil me deve essa indenização". E, agora, Ziraldo, quanto você deve ao Brasil pelo desrespeito e pelo abuso? Será que esse dinheiro vale mais para você do que a admiração e o respeito do povo brasileiro que o tinha como homem íntegro e lutador das causas nobres? Como diz Cazuza:
"Brasil, mostra tua cara.
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim"

Leiam a notícia na Folha de São Paulo, caderno Brasil:

União indeniza jornalistas do "Pasquim" em R$ 1 mi cada
Ziraldo e Jaguar estão entre 20 jornalistas reparados
05 de abril de 2008
A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça aprovou o pagamento de R$ 11,7 milhões em indenizações a 20 jornalistas que sofreram perseguições políticas durante o regime militar (1964-1985).
Fundadores do semanário "O Pasquim", em 1969, Ziraldo e Jaguar (Sérgio Jaguaribe) receberão os maiores valores. Jaguar receberá R$ 1.027.383,29 e Ziraldo, R$ 1.000.253,24. Terão direito ainda a vencimentos mensais até a morte de R$ 4.375,88.
Ziraldo, que estava na sessão, disse que não aceita críticas por ter buscado reparação pelas perseguições que sofreu dos governos militares, como três prisões, demissões e fechamentos de jornais e revistas que fundou ou em que trabalhou. Segundo ele, quem contesta seu direito à anistia e à indenização é "cagão" e nunca "botou na seringa". "Minha aposentadoria é de R$ 1.200. Essa indenização será a minha aposentadoria. Fiquei emocionadíssimo. O Brasil me deve essa indenização."Para receber a quantia, Ziraldo e os demais terão de responder à comissão, por escrito, se concordam com a indenização ou se devem recorrer do valor. Se concordarem, o pagamento será feito neste semestre.
Jaguar não esteve na sessão. Seu advogado lembrou que o cliente foi preso e demitido do jornal "Última Hora", onde trabalhava, e que, quando dirigia "O Pasquim", a sede da publicação sofreu atentados praticados pela extrema-direita a serviço de militares. Entre os jornalistas indenizados está Ricardo Moraes, ex-militante do Partido Comunista Brasileiro, hoje assessor do ministro da Fazenda, Guido Mantega.
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Opiniões no Consultor Jurídico
* Hélmiton Prateado (Jornalista)
Se querem receber indenização pela luta que travaram em defesa da democracia e liberdade no Brasil, estão passando recibo de que são mercenários, muito distante dos guerreiros dos ideais que sempre nortearam quem luta por valores e não pelo dinheiro.
* Cláudio Francisco Zoz (Civil)
Afinal, no Brasil sempre foi assim: muitos pagam impostos, apenas para beneficiar "poucos e bons", dentre os quais o citado imortal Carlos H. Cony. Muito bem lembrado pelo missivista Eduardo Peres F. Câmara, de descontar as verbas auferidas - sob pena de enriquecimento ilícito. Pois, se assim não for feito, os mesmos (anistiados) terão: a) Recebido pelos trabalhos prestados no "exílio" (França, Portugal, Chile, Argentina, Argélia, etc; b) Receberão por "trabalhos não prestados no Brasil". Finalizando, além destas indenizações milionárias, há que verificar-se a legalidade de aposentadorias precoces (muitas para pessoas de 38 anos), como a concedida ao ex presidente FHC. A revisão e a faxina das concessões têm que ser - a exemplo da lei de anistia - AMPLA, GERAL E IRRESTRITA!!!Não interessa se os beneficiários das benesses são da direita, da esquerda, do centro, da centro esquerda.O contribuinte, cansado de pagar impostos, merece uma resposta!!!
* Eduardo Peres F Câmara (Advogado Autônomo)
Mas isto é um verdadeiro absurdo. Tadinho do Cony!!! Vai tomar um monte de whisky 50 anos com o dinheiro do contribuinte brasileiro. Este é um caso em que a Polícia Federal tem de prender toda essa cambada às 5 da manhã por enriquecimento sem causa, bem como os co-autores, que deferiram esses absurdos.
* Cláudio Francisco Zoz (Civil)
É de estarrecer qualquer um!!!Tais indenizações milionárias são uma autêntica afronta ao povo e ao contribuinte brasileiro, e, não são, de modo nenhum, reparadoras!Pelos valores pagos (retroativos e pensões mensais vitalícias), as mesma somente estão enriquecendo poucos e bons, em detrimento de uma sociedade brasileira pobre e injusta, com enormes filas de desempregados, que buscam, muitas vezes, tão somente um salário mínimo. Não vamos discutir o mérito, se cabem ou não, as indenizações reparadoras!!!Que as mesmas são legais, é indiscutível, desde que não contemplem "falsos anistiados e picaretas oportunistas"!!!O que se deve salientar é que não obstante serem legais, as mesmas - pelos valores exorbitantes concedidos - ferem os princípios da moralidade e da razoabilidade.

3 de abr. de 2008

Sobre a menina presa com homens

JUSTIÇA AO DEUS DARÁ...

Leiam notícia hoje na Folha de São Paulo:

TJ arquiva processo contra juíza do caso de menina presa
O Tribunal de Justiça do Pará arquivou ontem o pedido de abertura do procedimento administrativo disciplinar contra a juíza Clarice Maria de Andrade, suspeita de não tomar medidas para retirar da cadeia a menina de 15 anos que ficou detida com homens em Abaetetuba (PA), entre outubro e novembro do ano passado.
Os desembargadores decidiram que não houve motivos para a magistrada ser responsabilizada, já que a custódia do preso é do Estado: sete votaram a favor da abertura; houve uma abstenção; e Albanira Bemerguy, desembargadora presidente, foi favorável. "[A juíza] recebeu a comunicação da prisão em flagrante e a manteve, ficando ciente, naquela ocasião, que uma mulher estava presa na delegacia de Abaetetuba", disse Bemerguy.
A juíza é suspeita de não enviar o pedido de transferência à Corregedoria das Comarcas do TJ antes de o caso ser divulgado. Ela nega.
O Cedeca (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente) Emaús, instituição que defende a menina, lamentou a decisão.
"[A decisão] evidencia a omissão do Judiciário diante de graves indícios de ilegalidade cometidos pela juíza, apontados pela Corregedoria das Comarcas do TJ", disse o advogado Bruno Medeiros.
(FSP - 3/4/08- Caderno Cotidiano)

LETRA MORTA
Agora vejam a LEI Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984, a Lei de Execução Penal:
Art. 66. Compete ao Juiz da execução:
I - aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado;
II - declarar extinta a punibilidade;
III - decidir sobre:
a) soma ou unificação de penas;
b) progressão ou regressão nos regimes;
c) detração e remição da pena;
d) suspensão condicional da pena;
e) livramento condicional;
f) incidentes da execução.
IV - autorizar saídas temporárias;
V - determinar:
a) a forma de cumprimento da pena restritiva de direitos e fiscalizar sua execução;
b) a conversão da pena restritiva de direitos e de multa em privativa de liberdade;
c) a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos;
d) a aplicação da medida de segurança, bem como a substituição da pena por medida de segurança;
e) a revogação da medida de segurança;
f) a desinternação e o restabelecimento da situação anterior;
g) o cumprimento de pena ou medida de segurança em outra comarca;
h) a remoção do condenado na hipótese prevista no § 1º, do artigo 86, desta Lei.
VI - zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida de segurança;
VII-inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de responsabilidade;
VIII - interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta Lei;
Conclusão
Então, tudo como dantes no quartel de Abrantes:
a culpada por ter ficado numa cela com homens é...
Quem adivinha?
Ó, xente, é a menina.

2 de abr. de 2008

O conto "Mineirinho"

Cartaz do filme de Aurélio Teixeira, em 1967
Mineirinho, que inspirou o conto de Clarice Lispector, foi mais um desses chamados "bandidos", transformados pela imprensa marrom no inimigo público número um. Para os moradores do morro, Mineirinho era uma versão carioca de Robin Hood. Sua morte com 13 tiros foi noticiada com estardalhaço.
Leiam trecho no Correio da Manhã, em 1º de maio de 1962:
"José Rosa de Miranda, o Mineirinho, foi encontrado morto, ontem na Estrada Grajaú-Jacarepaguá, no Rio, com 13 tiros de metralhadora em várias partes do corpo - três deles nas costas e quatro no pescoço - uma medalha de ouro de S. Jorge no peito e Cr$ 3.112 nos bolsos, e sem os seus sapatos marca Sete Vidas, atirados a um canto."

Mineirinho
Clarice Lispector
- Como não amá-lo, se ele viveu até o décimo terceiro tiro o que eu dormia?
- ...essa coisa, que em Mineirinho se tornou punhal, é a mesma que em mim faz com que eu dê água a outro homem, não porque eu tenha água, mas porque, também eu, sei o que é sede;
- Quem não sabe que Mineirinho era criminoso? Mas tenho certeza de que ele se salvou e já entrou no céu”. Respondi-lhe que “mais do que muita gente que não matou”.
É, suponho que é em mim, como um dos representantes do nós, que devo pro­curar por que está doendo a morte de um facínora. E por que é que mais me adianta contar os treze tiros que mataram Mineirinho do que os seus crimes. Perguntei a minha cozinheira o que pensava sobre o assunto. Vi no seu rosto a pequena convulsão de um conflito, o mal-estar de não entender o que se sente, o de precisar trair sensações contraditórias por não saber como harmonizá-las. Fatos irredutíveis, mas revolta irre­dutível também, a violenta compaixão da revolta. Sentir-se dividido na própria perple­xidade diante de não poder esquecer que Mineirinho era perigoso e já matara demais; e no entanto nós o queríamos vivo. A cozinheira se fechou um pouco, vendo-me talvez como a justiça que se vinga. Com alguma raiva de mim, que estava mexendo na sua alma, respondeu fria: “O que eu sinto não serve para se dizer. Quem não sabe que Mineirinho era criminoso? Mas tenho certeza de que ele se salvou e já entrou no céu”. Respondi-lhe que “mais do que muita gente que não matou”.
Por que? No entanto a primeira lei, a que protege corpo e vida insubstituíveis, é a de que não matarás. Ela é a minha maior garantia: assim não me matam, porque eu não quero morrer, e assim não me deixam matar, porque ter matado será a escuridão para mim.
Esta é a lei. Mas há alguma coisa que, se me faz ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina — porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro.
Essa justiça que vela meu sono, eu a repudio, humilhada por precisar dela. Enquanto isso durmo e falsamente me salvo. Nós, os sonsos essenciais.
Para que minha casa funcione, exijo de mim como primeiro dever que eu seja sonsa, que eu não exerça a minha revolta e o meu amor, guardados. Se eu não for sonsa, minha casa estremece. Eu devo ter esquecido que embaixo da casa está o terreno, o chão onde nova casa poderia ser erguida. Enquanto isso dormimos e falsamente nos salvamos.
Até que treze tiros nos acordam, e com horror digo tarde demais — vinte e oito anos depois que Mineirinho nasceu - que ao homem acuado, que a esse não nos matem. Porque sei que ele é o meu erro. E de uma vida inteira, por Deus, o que se salva às vezes é apenas o erro, e eu sei que não nos salvaremos enquanto nosso erro não nos for precioso. Meu erro é o meu espelho, onde vejo o que em silêncio eu fiz de um homem. Meu erro é o modo como vi a vida se abrir na sua carne e me espantei, e vi a matéria de vida, placenta e sangue, a lama viva.
Em Mineirinho se rebentou o meu modo de viver. Como não amá-lo, se ele viveu até o décimo-terceiro tiro o que eu dormia? Sua assustada violência. Sua violência inocente — não nas conseqüências, mas em si inocente como a de um filho de quem o pai não tomou conta.
Tudo o que nele foi violência é em nós furtivo, e um evita o olhar do outro para não corrermos o risco de nos entendermos. Para que a casa não estre­meça.
A violência rebentada em Mineirinho que só outra mão de homem, a mão da esperança, pousando sobre sua cabeça aturdida e doente, poderia aplacar e fazer com que seus olhos surpreendidos se erguessem e enfim se enchessem de lágrimas. Só depois que um homem é encontrado inerte no chão, sem o gorro e sem os sapatos, vejo que esqueci de lhe ter dito: também eu.
Eu não quero esta casa. Quero uma justiça que tivesse dado chance a uma coisa pura e cheia de desamparo em Mineirinho — essa coisa que move montanhas e é a mesma que o fez gostar “feito doido” de uma mulher, e a mesma que o levou a passar por porta tão estreita que dilacera a nudez; é uma coisa que em nós é tão intensa e límpida como uma grama perigosa de radium, essa coisa é um grão de vida que se for pisado se transforma em algo ameaçador — em amor pisado; essa coisa, que em Mineirinho se tornou punhal, é a mesma que em mim faz com que eu dê água a outro homem, não porque eu tenha água, mas porque, também eu, sei o que é sede; e também eu, que não me perdi, experimentei a perdição.
A justiça prévia, essa não me envergonharia. Já era tempo de, com ironia ou não, sermos mais divinos; se adivinhamos o que seria a bondade de Deus é porque adivinhamos em nós a bondade, aquela que vê o homem antes de ele ser um doente do crime. Continuo, porém, espe­rando que Deus seja o pai, quando sei que um homem pode ser o pai de outro homem.
E continuo a morar na casa fraca. Essa casa, cuja porta protetora eu tranco tão bem, essa casa não resistirá à primeira ventania que fará voar pelos ares uma porta tran­cada. Mas ela está de pé, e Mineirinho viveu por mim a raiva, enquanto eu tive calma.
Foi fuzilado na sua força desorientada, enquanto um deus fabricado no último instante abençoa às pressas a minha maldade organizada e a minha justiça estupidificada: o que sustenta as paredes de minha casa é a certeza de que sempre me justificarei, meus amigos não me justificarão, mas meus inimigos que são os meus cúmplices, esses me cumprimentarão; o que me sustenta é saber que sempre fabricarei um deus à imagem do que eu precisar para dormir tranqüila e que outros furtivamente fingirão que esta­mos todos certos e que nada há a fazer.
Tudo isso, sim, pois somos os sonsos essenciais, baluartes de alguma coisa. E sobretudo procurar não entender.
Porque quem entende desorganiza. Há alguma coisa em nós que desorganizaria tudo — uma coisa que entende. Essa coisa que fica muda diante do homem sem o gorro e sem os sapatos, e para tê-los ele roubou e matou; e fica muda diante do São Jorge de ouro e diamantes. Essa alguma coisa muito séria em mim fica ainda mais séria diante do homem metralhado. Essa alguma coisa é o assassino em mim? Não, é desespero em nós. Feito doidos, nós o conhecemos, a esse homem morto onde a grama de radium se incendiara. Mas só feito doidos, e não como sonsos, o conhecemos. É como doido que entro pela vida que tantas vezes não tem porta, e como doido com­preendo o que é perigoso compreender, e só como doido é que sinto o amor profundo, aquele que se confirma quando vejo que o radium se irradiará de qualquer modo, se não for pela confiança, pela esperança e pelo amor, então miseravelmente pela doente coragem de destruição. Se eu não fosse doido, eu seria oitocentos policiais com oitocentas metralhadoras, e esta seria a minha honorabilidade.
Até que viesse uma justiça um pouco mais doida. Uma que levasse em conta que todos temos que falar por um homem que se desesperou porque neste a fala humana já falhou, ele já é tão mudo que só o bruto grito desarticulado serve de sinalização.
Uma justiça prévia que se lembrasse de que nossa grande luta é a do medo, e que um homem que mata muito é porque teve muito medo. Sobretudo uma justiça que se olhasse a si própria, e que visse que nós todos, lama viva, somos escuros, e por isso nem mesmo a maldade de um homem pode ser entregue à maldade de outro homem: para que este não possa cometer livre e aprovadamente um crime de fuzilamento.
Uma justiça que não se esqueça de que nós todos somos perigosos, e que na hora em que o justiceiro mata, ele não está mais nos protegendo nem querendo eliminar um criminoso, ele está cometendo o seu crime particular, um longamente guardado. Na hora de matar um criminoso - nesse instante está sendo morto um inocente. Não, não é que eu queira o sublime, nem as coisas que foram se tornando as palavras que me fazem dormir tranqüila, mistura de perdão, de caridade vaga, nós que nos refugiamos no abstrato.
O que eu quero é muito mais áspero e mais difícil: quero o terreno.

Livro Para não esquecer. São Paulo: Ática, 1979, p. 101, 102, 103.