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30 de jan. de 2012

Algo de podre no reino do STF

STF: Um poder de costas para o país...
Marco Antonio Villa
(historiador)

A Justiça no Brasil vai mal, muito mal. Porém, de acordo com o relatório de atividades do Supremo Tribunal Federal de 2010, tudo vai muito bem.

Nas 80 páginas - parte delas em branco - recheadas de fotografias (como uma revista de consultório médico), gráficos coloridos e frases vazias, o leitor fica com a impressão que o STF é um exemplo de eficiência, presteza e defesa da cidadania. Neste terreno de enganos, ficamos sabendo que um dos gabinetes (que tem milhares de processos parados, aguardando encaminhamento) recebeu "pela excelência dos serviços prestados" o certificado ISO 9001. E há até informações futebolísticas: o relatório informa que o ministro Marco Aurélio é flamenguista.
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A leitura do documento é chocante. Descreve até uma diplomacia judiciária para justificar os passeios dos ministros à Europa e aos Estados Unidos. Ou, como prefere o relatório, as viagens possibilitaram "uma proveitosa troca de opiniões sobre o trabalho cotidiano." Custosas, muito custosas, estas trocas de opiniões. Pena que a diplomacia judiciária não é exercida internamente. Pena. Basta citar o assassinato da juíza Patrícia Acioli, de São Gonçalo.
Nenhum ministro do STF, muito menos o seu presidente, foi ao velório ou ao enterro. Sequer foi feita uma declaração formal em nome da instituição.
Nada. Silêncio absoluto. Por que? E a triste ironia: a juíza foi assassinada em 11 de agosto, data comemorativa do nascimento dos cursos jurídicos no Brasil.

Mas, se o STF se omitiu sobre o cruel assassinato da juíza, o mesmo não o fez quando o assunto foi o aumento salarial do Judiciário. Seu presidente, Cézar Peluso, ocupou seu tempo nas últimas semanas defendendo - como um líder sindical de toga - o abusivo aumento salarial para o Judiciário Federal.
Considera ético e moral coagir o Executivo a aumentar as despesas em R$8,3 bilhões.
A proposta do aumento salarial é um escárnio. É um prêmio à paralisia do STF, onde processos chegam a permanecer décadas sem qualquer decisão.
A lentidão decisória do Supremo não pode ser imputada à falta de funcionários.
De acordo com os dados disponibilizados, o tribunal tem 1.096 cargos efetivos e mais 578 cargos comissionados. Portanto, são 1.674 funcionários, isto somente para um tribunal com 11 juízes.

Mas, também de acordo com dados fornecidos pelo próprio STF, 1.148 postos de trabalho são terceirizados, perfazendo um total de 2.822 funcionários. Assim, o tribunal tem a incrível média de 256 funcionários por ministro. Ficam no ar várias perguntas: como abrigar os quase 3 mil funcionários no prédio-sede e nos anexos? Cabe todo mundo? Ou será preciso aumentar os salários com algum adicional de insalubridade?
Causa estupor o número de seguranças entre os funcionários terceirizados. São 435! O leitor não se enganou: são 435. Nem na Casa Branca tem tanto segurança. Será que o STF está sendo ameaçado e não sabemos? Parte destes vigilantes é de seguranças pessoais de ministros. Só Cézar Peluso tem 9 homens para protegê-lo em São Paulo (fora os de Brasília). Não é uma exceção: Ricardo Lewandovski tem 8 exercendo a mesma função em São Paulo.
Mas os números continuam impressionando. Somente entre as funcionárias terceirizadas, estão registradas 239 recepcionistas. Com toda a certeza, é o tribunal que melhor recebe as pessoas em todo mundo. Será que são necessárias mais de duas centenas de recepcionistas para o STF cumprir suas tarefas rotineiras? Não é mais um abuso? Ah, abuso é que não falta naquela Corte. Só de assistência médica e odontológica o tribunal gastou em 2010, R$16 milhões. O orçamento total do STF foi de R$518 milhões, dos quais R$315 milhões somente para o pagamento de salários.

Falando em relatório, chama a atenção o número de fotografias onde está presente Cézar Peluso.
No momento da leitura recordei o comentário de Nélson Rodrigues sobre Pedro Bloch. O motivo foi uma entrevista para a revista "Manchete". O maior teatrólogo brasileiro ironizou o colega: "Ninguém ama tanto Pedro Bloch como o próprio Pedro Bloch." Peluso é o Bloch da vez. Deve gostar muito de si mesmo. São 12 fotos, parte delas de página inteira. Os outros ministros aparecem em uma ou duas fotos.
Ele, não. Reservou para si uma dúzia de fotos, a última cercado por crianças. A egolatria chega ao ponto de, ao apresentar a página do STF na intranet, também ter reproduzida uma foto sua acompanhada de uma frase (irônica?) destacando que o "a experiência do Judiciário brasileiro tem importância mundial".
No relatório já citado, o ministro Peluso escreveu algumas linhas, logo na introdução, explicando a importância das atividades do tribunal. E concluiu, numa linguagem confusa, que "a sociedade confia na Corte Suprema de seu País. Fazer melhor, a cada dia, ainda que em pequenos mas significativos passos, é nossa responsabilidade, nosso dever e nosso empenho permanente". Se Bussunda estivesse vivo poderia retrucar com aquele bordão inesquecível: "Fala sério, ministro!"

As mazelas do STF têm raízes na crise das instituições da jovem democracia brasileira. Se os três Poderes da República têm sérios problemas de funcionamento, é inegável que o Judiciário é o pior deles. E deveria ser o mais importante.
Ninguém entende o seu funcionamento. É lento e caro. Seus membros buscam privilégios, e não a austeridade. Confundem independência entre os poderes com autonomia para fazer o que bem entendem. Estão de costas para o país. No fundo, desprezam as insistentes cobranças por justiça. Consideram uma intromissão.

 O Globo - 27/09/2011

28 de jan. de 2012

Juízes confundem autonomia com soberania

 diz Gilmar Mendes

Ex-presidente do STF defende ação do CNJ e critica entidades de magistrados
Para Gilmar Mendes, Judiciário talvez seja único Poder que venha fazendo 'autocorreção', graças ao conselho

LUCAS FERRAZ - FELIPE SELIGMAN - DE BRASÍLIA

A crise que domina a cúpula do Poder Judiciário tem sua origem em setores da magistratura que confundem autonomia com soberania.

Essa é a avaliação do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes, presidente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) de 2008 a 2010 e um dos responsáveis pela forma como a instituição atua no momento.

"Imagino que alguns magistrados estejam fazendo essa confusão, de que os tribunais são entidades soberanas. Confundem autonomia com soberania", disse Mendes em entrevista à Folha.

O CNJ, responsável pelo controle e pela transparência da Justiça brasileira, virou o centro da polêmica. A corregedora Eliana Calmon e uma ala do Supremo defendem que o conselho tenha poder de investigação independente, sem esperar pelas ações das corregedorias estaduais.

Cezar Peluso, que preside o CNJ e também o STF, lidera o grupo que prega apuração nos próprios tribunais antes que a investigação seja realizada pelo conselho.

Associações representativas de magistrados foram à Justiça na tentativa de limitar o poder de atuação do CNJ. O caso deve ser julgado em breve pelo plenário do STF.

Gilmar Mendes ressaltou que a ideia de criar o CNJ nasceu no início dos anos 1990, na esteira da promulgação da Constituição, quando já era evidente a falta de capacidade das corregedorias estaduais em investigar seus próprios magistrados -o conselho foi criado em 2004.

SEM QUEBRA DE SIGILO

Para o ministro, nunca houve quebra indiscriminada de sigilos na investigação do CNJ sobre pagamentos a juízes e servidores do Judiciário, como alguns se referem à divulgação recente de dados do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), feita pela corregedoria, que pesquisou mais de 200 mil nomes.

"Não há quebra de sigilo quando alguém faz uma verificação em folha de pagamento. Todos esses anos pedimos para ter controle das contas, é um princípio republicano. Há algum segredo em relação ao meu salário ou a alguma verba que recebo na condição de ministro?"

 
'SEM FALSEAR OS FATOS'

Para Mendes, os principais responsáveis pela crise são as associações representativas que foram tomadas por grupos corporativistas.
"Nós, enquanto juízes, temos que ter uma certa lealdade argumentativa. Talvez ninguém devesse falsear a verdade, mas nós juízes deveríamos ser mais respeitosos em relação aos fatos", disse.
"O ambiente está tenso e emocional, e quando isso ocorre a verdade acaba sendo a primeira vítima."

Visto com reserva por uma ala do Judiciário, que o considera polêmico e midiático, Gilmar Mendes rebate a crítica de que o Poder, em comparação ao Executivo e ao Legislativo, seja mais fechado.
'AUTOCORREÇÃO'
"Talvez o Judiciário seja o único Poder que esteja fazendo, graças ao CNJ, uma autocorreção. Quase todos os problemas foram levantados por nós", afirma.

Sobre a transparência, ele comenta que as decisões econômicas do Executivo estão longe de serem "marcadas por princípios de transparência, em todo o sentido". "Da mesma forma que não conhecemos os motivos das decisões tomadas no Legislativo."

Mas ele reconhece que a atual situação da Justiça brasileira não é satisfatória: "As mazelas ainda existem".
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Fonte: Folha de São Paulo, sábado, 28 de janeiro de 2012 (Caderno PODER)

20 de jan. de 2012

A sentença que não pode ser esquecida

Janeiro de 2012:
quatro anos da sentença em que fui condenada à prisâo pela juíza Tania Maria Elias Chaim, do Juizado Especial de Leopoldina-MG, por escrever no jornal Recomeço um apelo contra o estado de calamidade em que se encontrava a Cadeia Pública de Leopoldina na época.

Por que relembrar esse fato, essa vergonha?

Para que a sociedade, o povo brasileiro tome consciência do Judiciário que temos e lute por uma justiça de verdade neste país.

O que aconteceu comigo acontece com muitos que estão na prisão e pode acontecer com você, com qualquer cidadão brasileiro, desde que seja do interesse do Judiciário.

Como disse Franz Kafka em O PROCESSO:

“O que aconteceu comigo é apenas um caso isolado; e não teria grande importância, se não resumisse a maneira como se procede com muitos outros além de mim. É por esses que falo aqui, e não por mim.”


Seque a SENTENÇA CONDENATÓRIA na íntegra
http://www.jornalrecomeco.com.br/sentenca/index.php
 
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Nota de esclarecimento
Na época, após tomar conhecimento da sentença, recorri à Corregedoria do TJMG, que me respondeu ironicamente, defendendo com veemência tanto a juíza que me condenou quanto o juiz José Alfredo Junger de Souza Vieira, que fez a acusação.


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18 de jan. de 2012

Reforma na OEA ameaça Relatoria Especial de Liberdade de Expressão

A ARTIGO 19 chama atenção em novo posicionamento para a ameaça que uma reforma no Sistema Interamericano de Direitos Humanos representa para a independência e o trabalho da Relatoria Especial para Liberdade de Expressão da OEA (Organização dos Estados Americanos). A relatoria, que avalia anualmente a situação da liberdade de expressão no hemisfério, corre o risco de ter fundos cortados e ser submetida a um "código de conduta" que pode abrir espaço para a influência dos Estados-membros da organização regional em suas atividades.

O escritório da Relatoria Especial da OEA foi criado em 1997 para conscientizar sobre a importância da plena observância da liberdade de expressão e informação nas Américas, dado seu papel fundamental na consolidação e progresso do sistema democrático. A reforma será discutida em reunião do Conselho Permanente da OEA em 25 de janeiro e afetará todas as relatorias especiais de direitos humanos.

MAIS INFORMAÇÕES

• Para ler o posicionamento, visite: http://artigo19.org/?p=1078

• Para mais informações, contate Paula Martins, diretora do escritório da ARTIGO 19 América do Sul, por paula@article19.org; ou Ricardo Gonzales, coordenador do programa para México e América Central, por ricardo@article19.org;

• A ARTIGO 19 é uma organização independente de direitos humanos que trabalha para proteger e promover o direito à liberdade de expressão no mundo. Seu nome vem do artigo 19 da Declaração Universal de Direitos Humanos, que garante a livre a expressão.

10 de jan. de 2012

Esclarecimento sobre o Auxílio-Reclusão

Auxílio-Reclusão: mentiras, verdades e análises possíveis
Bárbara Ferreira de Freitas - Nelson Gomes Junior

Circula na internet, já há algum tempo, um email tipo corrente promovendo uma falsa campanha de esclarecimento acerca de um benefício previdenciário voltado para dependentes de segurados do INSS. A polêmica gira em torno do chamado “auxílio-reclusão”, benefício perversamente apelidado de “bolsa bandido” pelos autores do spam que vem se multiplicando, reforçando preconceitos e deturpando informações.
A Constituição Federal de 1988 foi a primeira a utilizar o conceito de seguridade social, o qual abrange saúde, assistência e previdência social, sendo esta última de caráter contributivo, ou seja, só é possível obtê-la por meio de pagamentos na forma da lei. A finalidade da previdência é cobrir os riscos sociais comprometidos pela falta de renda do contribuinte ou de sua família, tais como nos casos de doença, acidente, gravidez, prisão, morte e velhice. Conforme previsto nas leis 8.212/91 e 8.213/91, de um total de 10 benefícios previdenciários, 2 são pagos somente ao(s) dependente(s) do segurado: pensão por morte e auxílio reclusão, sendo este, fonte de muitos equívocos quanto à sua natureza, objetivos, beneficiários e valores pagos.

O auxílio-reclusão consiste em um benefício de prestação continuada da previdência social, de caráter alimentar, que tem por objetivo possibilitar que os dependentes do presidiário tenham como se manter enquanto ele, antes provedor e segurado, encontrar-se recluso. Tem direito ao benefício todo segurado de baixa renda recolhido à prisão, durante o período em que estiver preso sob regime fechado ou semi-aberto.


Faz jus ao benefício apenas a família do presidiário que tiver qualidade de segurado no momento da reclusão, sendo potenciais titulares do auxílio sua esposa(o)/companheira(o), filhos(as), irmãos(ãs) e/ou pais. Caso o segurado possua dois ou mais dependentes, o auxílio será dividido igualmente entre os seus beneficiários. Em caso de morte do preso durante o período de pagamento do auxílio-reclusão, o benefício se converte em pensão por morte.
Em oposição ao boato eletrônico que insinua que o benefício em tela trata-se de um estímulo ao ato criminoso, o auxílio-reclusão visa cumprir o ditame de justiça social, protegendo a família do segurado da inesperada situação de vulnerabilidade social e econômica oriunda da reclusão do seu provedor. Evita, por conseqüência, que seus dependentes tornem-se alijados de subsistência e sofram a punição cabível exclusivamente ao praticante do delito. Em última análise, o auxílio tende a garantir a proteção constitucional à família, sem perder de vista a defesa da dignidade humana, princípios frequentemente violados no cotidiano dos familiares de presos.

Os discursos caluniosos sobre o auxílio-reclusão cumprem o papel reacionário de manutenção de preconceitos, estereótipos e negação de direitos aos segmentos mais vulneráveis da população. Os pobres, reiteradamente criminalizados pelos mecanismos seletivos de nosso sistema penal, configuram-se novamente como alvo preferido de dispositivos de controle, camuflados agora pela retórica da moralidade e do bom uso do dinheiro público.
É pouco razoável associarmos o auxílio-reclusão ao quadro de motivadores da criminalidade. Grande parte da massa carcerária deste país jamais conheceu a condição de segurado do INSS. Seria ingenuidade de nossa parte acreditar que alguém, estando empregado, escolheria altruisticamente cometer um crime e ser preso para “beneficiar” sua família. De igual maneira, não nos parece justa a perpetuação das “punições” estabelecidas aos familiares de preso, em especial porque não cometeram crime algum.

Publicado Originalmente no Jornal Contraponto em 21/10/2011.

Atualmente, só tem direito ao auxílio o segurado que, à época da prisão percebia renda mensal igual ou inferior a R$ 862,60 e, desde que, quando da solicitação do benefício, não esteja recebendo salário da empresa na qual trabalhava, nem em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria. Diferentemente do valor alardeado no falso email, o auxílio varia de R$ 545,00 a R$ 862,60 por família, seja qual for o número de dependentes do segurado.

Igualdade dos sexos na Justiça

O sexo feminino perante a Justiça
João Baptista Herkenhoff

Embora a Constituição Federal determine que homens e mulheres sejam iguais e proíba discriminações, essa igualdade é ainda um ideal a ser alcançado.

Por este motivo, creio que o tema “igualdade dos sexos na Justiça” mereça ser discutido, principalmente nas Faculdades de Direito.

Uma forma didática de tratar desta matéria é promover o debate a partir de casos judiciais. Ofereço com esta finalidade alguns casos com os quais me defrontei, no exercício da magistratura.

A primeira sentença que desejo registrar aqui foi a que proferi acolhendo o motivo de relevante valor moral no ato de um acusado que feriu o agressor de sua irmã Ana Célia, uma prostituta. Prostituta existe para ser abusada, não tem direito de ser socorrida por um irmão? É óbvio que tem esse direito, é pessoa, não é coisa.

Numa segunda decisão, absolvi Jovelina que matou seu companheiro. A vítima jogou água quente e um vidro de pimenta na desditosa mulher e depois passou a bater na companheira com uma panela. Reconheci a excludente de legítima defesa no ato praticado e proferi absolvição sumária, livrando Jovelina até mesmo da humilhação do julgamento perante o Tribunal do Júri. O Ministério Público recorreu, como era de seu dever na hipótese, mas o Tribunal de Justiça confirmou a sentença absolutória de primeiro grau.

Num terceiro decisório, excluí das malhas do processo penal a pessoa de Marlene, mãe de um menor envolvido num atropelamento. Argumentei: “Sendo a responsabilidade penal, de natureza pessoal, é intransferível. A condição de inimputável do agente – um menor – não autoriza a chamada, ao processo, da mãe do mesmo. Quanto à responsabilidade civil, é outra matéria, a ser apreciada pelo juízo competente.”

Num quarto caso, fundamentei no zelo com que Isabel cuidava de Moacir, seu irmão, doente mental, a razão para libertar Moacir de um processo. Este segurou o braço de uma criança, mas nada lhe fez. A menina ficou assustada, ou porque estranhou a fisionomia do paciente, ou porque conhecia sua condição de insano. Na minha presença, Isabel disse que seu irmão não oferecia qualquer perigo e que ela, que sempre estava atenta aos passos dele, redobraria sua vigilância depois do fato que havia acontecido.

Numa outra decisão assegurei visita íntima de companheiro a uma presa provisória que estava sob minha jurisdição. Não me cabia disciplinar a matéria, em caráter geral, pois juiz das execuções criminais não era, mas tinha competência legal para decidir sobre o pleito de uma acusada que estava submetida a processo sob meus cuidados. Argumentei, no meu despacho, que a prisão não subtraía da requerente o seu direito ao exercício da sexualidade. Quanto a engravidar, somente à presa competia decidir sobre este tema. Não tinha razão jurídica o óbice que se opunha às visitas íntimas justamente sob a alegação daquilo que indevidamente se chamava de “risco de gravidez”. Gravidez não é risco, é um ato livre. Aproveitei a oportunidade do despacho para fustigar o sistema, observando que a mulher não é “sujeito” na estrutura do sistema carcerário, como não é “sujeito” na arquitetura social. A presa tem o direito de “ser mulher” em toda a sua extensão. Finalmente, abrangendo homens e mulheres, fechei meu despacho afirmando que o direito a visita íntima é importante para a reabilitação do encarcerado, pois conduz ao sentimento de pertença ao gênero humano.

Finalmente devo citar, não uma sentença, mas um procedimento adotado em diversas comarcas do interior do meu Estado. Para que esse procedimento seja entendido é preciso dizer que ocorreu no final da década de 1960 e princípios da década de 1970.

Encontrei, em diversas comarcas do interior do Espírito Santo, listas de jurados com uma presença inexpressiva de mulheres. Nessa época, essa discriminação da mulher não ocorria apenas em terras capixabas, o que podia ser constatado pela simples leitura dos jornais. Em tal situação, os tribunais do júri eram, na verdade, tribunais masculinos. Com habilidade, não impondo simplesmente (com invocação do argumento de autoridade), mas conversando, conseguimos alterar substancialmente a distorção, nas comarcas em que essa distorção estava aparecendo.
João Baptista Herkenhoff, 75 anos, magistrado aposentado, é Professor da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo, palestrante e escritor. Acaba de publicar Curso de Direitos Humanos (Editora Santuário, Aparecida, SP).


P. S. – É livre a divulgação deste texto, por qualquer meio ou veículo, inclusive através da transmissão, de pessoa para pessoa.