Reflexões sobre a Justiça
João
Baptista Herkenhoff
Cada disciplina jurídica tem um campo específico de
abrangência. O Direito Constitucional modela o figurino jurídico do Estado. O
Direito Civil fundamenta a vida das pessoas. O Direito do Trabalho cuida da vida
laboral. O Direito Penal define crimes e estabelece penas. Diversamente das
disciplinas particulares, a vocação dos “Direitos Humanos” é a universalidade.
Sua razão de ser é o culto à dignidade da pessoa humana. Pobre formação terá o
jurista se conhecer todas as disciplinas particulares e desconhecer a disciplina
geral que dá o sentido ético ao seu mister!
O jurista tem uma tarefa na
construção da Democracia real, que não se confunde com a democracia de fachada.
A Democracia real terá sua gestação no debate, na participação de todos, na
escuta das vozes silenciadas pela opressão. O jurista, que optou pela
transformação social, deve entrar em relação de comunhão com as classes
populares, no rito de um sacerdócio ungido na opção pelos deserdados da lei. Que
grande missão colocar seu saber a serviço da causa libertária, em busca de novos
institutos jurídicos, novas interpretações que contemplem os que sempre
estiveram à margem do sistema legal. Esse sistema, embora sufragando interesses
essenciais das classes dominantes, tem de fazer concessões para que suas
determinações assumam um caráter de igualdade em certos direitos e deveres (Emir
Sader). O jurista que optou pelo lado dos oprimidos dará vida a princípios
constitucionais programáticos, recepcionados sem propósito de real vigência.
Esse jurista, meio jurista, meio profeta, tentará localizar, com olhos de ver, o
espaço em branco dentro do sistema de legalidade, um espaço "que escape ao
alçapão da ideológica legalidade que induz à não-mudança, ao imobilismo, à
manutenção do status quo" (Luiz Edson Fachin).
Ao lado de advogados como o gaúcho
Jacques Alfonsin, que importante papel terá o juiz que esteja a serviço da construção de um novo
mundo. Um juiz sem prerrogativas e vantagens pessoais. Carregará nos ombros um
fardo, mas o fará com alegria, misto de juiz e poeta, não com o sentido
pejorativo que se desse a essa fusão, mas com o verdadeiro sentido que há em ver
como atributos da Justiça a construção da Beleza, obra do artista, e a
construção do Bem, obra do homem que procura trilhar o caminho da virtude. Diverso e oposto desse paradigma será o juiz
distante e equidistante, cuja pena se torna para ele um peso, não por sentir as
dores que não suas (Newton Braga), mas pelo enfado de julgar, pela carência da
paixão que faria de seu ofício uma aventura existencial.
* João
Baptista Herkenhoff é magistrado aposentado, Livre-Docente da Universidade
Federal do Espírito Santo e escritor.
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