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30 de jan. de 2008

Não apedrejem Leidiane

Leiam artigo sobre a jovem que acabou indiciada por ato obsceno ao ficar nua em baile funk, esperando ganhar R$ 600 para pagar dívida (notícia CLIQUE AQUI)
Não apedrejem a moça nua

João Baptista Herkenhoff

A hipocrisia da sociedade é, às vezes, revoltante.
Não vejo nenhuma reação social à exibição de atrizes nuas, rodopiando sensualmente em canais abertos de televisão, em horários franqueados a todas as idades.
Interesses comerciais altíssimos estão em jogo nesses casos. O lucro é franquia para qualquer comportamento, mesmo aqueles que agridem nossos filhos, nossas filhas, nossos netos, nossas netas.
Os artigos da Constituição Federal que determinam tenha a televisão finalidade educativa, com a criação de um Conselho Nacional de Comunicação Social, formado por representantes da sociedade civil, ainda dependem de regulamentação, não obstante a Constituição já vá completar vinte anos de existência. A regulamentação desses artigos reduz o lucro e ai de quem queira mexer com o “deus lucro”.
Não se vê qualquer relação (ou se vê, mas se finge não ver) entre a cena da atriz nua que rodopia com luxúria diante de milhões de pessoas e a cena da pobre Leidiane, que também rodopia, igualmente nua, diante de um público de, quando muito, duas centenas de pessoas.
O fato, que aconteceu em Vitória, teve repercussão nacional.
Leidiane rodopiou para ganhar setecentos reais. Viúva, com três filhos, tendo ainda sob responsabilidade a Mãe, foi tentada pela promessa de recompensa.
Quem são os responsáveis por esses bailes que propiciam clima para essas coisas? Quais os interesses econômicos que estão atrás de tudo?
A sociedade está preocupada em exaltar valores positivos, em formar a juventude, em assegurar escola pública de ótima qualidade para todos? A sociedade está engajada no esforço de formar cidadãos e cidadãs que encontrem seu lugar no mundo? A sociedade está abrindo canais de esperança e de futuro para os milhões de pessoas que suplicam por uma oportunidade de trabalho honesto? Ou a sociedade só sabe levantar o braço pedindo que Madalena seja apedrejada?
Não apedrejem Leidiane.
Eu me solidarizo com essa moça e com sua família. Eu me solidarizo com a Mãe de Leidiane, que teve uma crise nervosa na Delegacia, vendo a filha ser fotografada e filmada.
Não pode um gesto impensado destruir a vida de uma jovem, comprometendo inclusive o sossego de seus filhos, ainda pequenos.
Tenha complacência com Leidiane dos Santos Muniz, minha prezada delegada Tânia Zanoli. E se o inquérito chegar à Justiça, tenha complacência com Leidiane, juiz ou juíza a quem couber o caso,
Temos de defender valores morais, sim. Temos de velar para que o sexo, um dom de Deus, não seja banalizado. Mas temos de ter misericórdia também.
A lei não existe para ser interpretada friamente. Em alguns momentos é preciso que o intérprete pouse sobre a lei um olhar de ternura.
Como seria bonito decidir assim: “saia livre, Leidiane, e não faça mais isso”.

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo – professor do Mestrado em Direito, e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

28 de jan. de 2008

Mulheres presas

Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa

Dobra número de detentas no país

Nos últimos cinco anos, o número de mulheres privadas de liberdade duplicou: subiu de 3% do total de presos em 2002 para 6% em 2007. Do total de presos em delegacias e penitenciárias no país, estimado em 420 mil detentos, há atualmente 25,8 mil mulheres, sendo 6,5 mil presas em delegacias e 19,3 mil em penitenciárias. Os dados são do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen), do Ministério da Justiça, relativos a junho de 2007 – os mais atualizados disponíveis.
Assim como os presos do sexo masculino, as mulheres privadas de liberdade também sofrem com a superlotação nas delegacias e presídios. O déficit é de cerca de 12 mil vagas. De um total de 467 penitenciárias ou similares informados pelos estados ao Ministério da Justiça, apenas 40 são destinados a mulheres (8 5%), sendo que apenas 15 (3,2%) podem ser consideradas penitenciárias de grande porte, de acordo com o diretor-geral do Depen, Maurício Kuehne. “São pelo menos 15 unidades femininas no Brasil, o que é pouco frente à massa carcerária de mulheres, hoje em torno de 25 mil presos, mas são 15 unidades onde todos os direitos estão contemplados”, garante o diretor.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, reconhece a precariedade do sistema prisional brasileiro, entre eles o feminino. “O sistema prisional brasileiro, tanto para a pena dos adultos, como para jovens e mulheres, é precário; e a ampla maioria dos estabelecimentos, profundamente desumanos. Porque constituem locais de segregação, de aprisionamento, de detenção e de isolamento, e não cumprem a sua finalidade recuperativa”, avalia.
A maioria das mulheres presas tem entre 18 e 24 anos (17,6%), seguidas pelas que têm entre 25 e 29 anos (16,1%), 35 a 45 anos (13,4%) e 30 a 34 anos (12,5%). A maioria também é da cor branca (27,9%), seguida pelas de cor parda (25,8%) e pelas negras (10 1%). Em relação ao grau de instrução, os dados informam que, do total de presas, 3,2% são analfabetas, 8,8% são alfabetizadas e 30% têm apenas o ensino fundamental incompleto e representam a maioria. Entre os crimes cometidos por mulheres, em primeiro lugar está o tráfico internacional de entorpecentes (30,2% do total), seguido por roubo qualificado (4,8%), roubo simples (4,6%) e furto simples (3,9%).
"São pelo menos 15 unidades femininas no Brasil, o que é pouco frente à massa carcerária de mulheres, hoje em torno de 25 mil presas"Maurício Kuehne,diretor-geral do Depen

(Fonte: jornal Estado de Minas, seção nacional, 28/1/08)

Comentário

Os juízes deveriam ser mais conscientes do que significa prender mulheres. Significa filhos sem mães, famílias desestruturadas, um verdadeiro detonador de mais caos social e, por conseguinte, de violência na sociedade. No entanto, as prisões de mulheres vêm aumentando cada vez mais, sem que se avaliem as consequências dramáticas para as famílias. É mais uma crueldade com as crianças que ficam sem suas mães, criadas no abandono e sob o estigma de "filhos de presidiárias". Essas mulheres deveriam ser amparadas pelo poder público e não jogadas dentro de cadeias e presídios.

Vaidade do Poder Judiciário

Palácio da Justiça do estado de Santa Catarina, Florianópolis
Um leitor escreveu hoje no jornal Estado de Minas, seção cartas:
Justiça - Excesso de vaidade prejudica trabalho
Roberto Guimarães - Belo Horizonte
“O problema da Justiça brasileira é o excesso de vaidade dos juízes que querem substituir a realeza de outrora. Isso fica notório pelo fato de que, em vez de investirem em informatização e delegação de funções, além de remunerar os juízes leigos e conciliadores, querem construir palácios para enaltecer e massagear o ego dos magistrados.
O Poder Judiciário, no Brasil, é tão democrático quanto o regime militar, apenas trocamos a farda pela toga, afinal o Judiciário não tem legitimidade popular, embora o artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal exija voto para ser poder estatal. Em vez de palácios, deveríamos ter prédios simples e espalhados pelas grandes e pequenas cidades, para que o povo não se sentisse excluído.”

Política de extermínio

“SE FOSSE FILHO DE BARÃO, ERA DIFERENTE”
Felipe da Silva Freitas*

De fato, o racismo institucionalizou-se como fenômeno em todo o Estado Brasileiro. A violência policial institucionalizou-se.
No último dia 15 um adolescente de 16 anos, Djair de Jesus, foi executado a tiros pela Polícia Militar da Bahia na comunidade de Pelaporco em Salvador. Segundo moradores, em declarações ao Jornal A TARDE, o garoto fora baleado pelas costas, arrastado e executado com outro tiro na cabeça, a PM nega e diz que jovem reagiu. Sem nenhum elemento que nos inspire credibilidade, o chefe da operação declarou ao Jornal que o jovem “atirou e correu”, por isso teria sido atingido pelas costas. Os moradores que assistiram ao crime negam a versão e a mãe conta que seu filho não era envolvido com armas, confirmando tratar-se de execução. Em repúdio à truculenta ação policial, os moradores realizaram a queima de um ônibus, paralisando o trânsito por cerca de cinco horas em toda a região.
Apesar de amplamente divulgado pela imprensa baiana, sem dúvida, esse é apenas mais um dos casos envolvendo a Polícia e jovens negros pobres moradores das periferias brasileiras e, infelizmente, parece que, mais uma vez, passará como se nada tivesse acontecido.
A morte do jovem Djair precisa ser apurada, os órgãos do poder público e da sociedade civil precisam se manifestar e as coisas não podem continuar como estão!
É inadmissível, sob qualquer exercício de compreensão intelectual, que o chefe da operação venha a público alegar que os policiais agiram em legítima defesa, isso é brincar com as pessoas, é achincalhar a sociedade, é desrespeitar as nossas inteligências. Mas, tudo bem, cada um tem o direito de se defender, entretanto, nós temos o direito de questionar: Ora, existe legitima defesa com tiro pelas costas? É crível, que um adolescente que estivesse correndo (da polícia) pudesse oferecer algum risco à vida dos policiais? É possível que todos os depoimentos dos que conheciam o garoto e dos que viram o episódio não tenham nenhum valor? Para mim trata-se de execução e isso está óbvio a partir da declaração das testemunhas e das circunstâncias amplamente exibidas pela imprensa!
Infelizmente a morte do jovem Djair não provocou o estardalhaço que outras mortes costumam causar. Nossas sensibilidades são, também elas, seletivas, tem lugar de classe e explícita orientação racial. Hierarquizamos a vida e, para maior parte da sociedade, cada vida tem um valor, segundo categorias sociais muito bem definidas. A Sr.ª Dejane, mãe do garoto Djair, fez uma perfeita síntese: “Se fosse filho de barão, era diferente”.
De fato, o racismo institucionalizou-se como fenômeno em todo o Estado Brasileiro. Todos os dias, de formas perversas e insistentes, somos condenados e executados pela roupa que (não) usamos, pelo tipo de cabelo que temos, pelo lugar em que vivemos, pelo lugar em que (não) trabalhamos, pela religião que professamos, pela orientação sexual que assumimos e, sobretudo, pelo lugar sócio-racial em que estamos.
Vivemos dia a dia o acirramento da tensão na sociedade brasileira. Diante da falência do Estado em todas as suas promessas, vivemos a tragédia do acirramento das desigualdades econômicas, a expulsão das moradias urbanas, a crueldade das torturas policiais, a dureza da exclusão acadêmica, a tristeza do abandono intelectual e, além de tudo isso, a persistência do discurso hipócrita e da afirmação cínica, de que poderia ser com qualquer um, de que o fato de o jovem ser negro é só uma coincidência, de que se fosse uma outra pessoa, com outras características físicas, também poderia ter acontecido. Isso é o mais cruel da história, o discurso de que somos todos iguais e de que a promessa (falsa) da modernidade funciona para todos e todas, a mentira de que somos iguais em direitos e deveres. Isso é o pior da história.
É urgente romper com manto de cinismo, hipocrisia, má-fe e desfaçatez que cerca a discussão das grandes temáticas deste país. É necessário reconhecer que, a despeito das falas de grande mídia, o conflito racial no Brasil está se acirrando e as vítimas estão sempre do lado de cá. Se não se reconhecer isso imediatamente de maneira ética e responsável será absolutamente impossível gestar qualquer alteração na nossa forma de organização civilizatória.
A violência policial institucionalizou-se. O Estado de direito faliu em todas as suas promessas de controle e organização social e a sociedade civil está imersa num modelo de paralisia tal, que qualquer discurso de revolução e alteração radical desse modelo fascista soa como anacrônico e extemporâneo. Por outro lado, aposta-se cada vez mais no reforço à tese da segurança pública ostensiva, aprofundam-se os investimentos em aparelhos de policia, em celas móveis, em novas e novas táticas de vigilância e controles dos corpos. Mera balela de um discurso de re-socialização que, além de falso, é omisso e cala ante a morte diária de dezenas de meninos negros permitindo a generalização da barbárie social...
Enquanto o Estado se arma e articulam-se programas paliativos, as organizações criminosas se capilarizam e as polícias, inoperantes, matam pobres como se estivessem roubando doce de criança. A política de repressão se recrudesce e as possibilidades de prevenção acabam, sem recursos, sem intersetorialidade, sem políticas públicas.
Acertada é a posição do filósofo Paulo Arantes, manifestada em entrevista recente ao Jornal Brasil de Fato falando sobre a tortura e a execução nesse país: “tortura-se desde sempre em qualquer cadeia pública brasileira. O escândalo dos anos de chumbo é que esta prática se estendeu aos brancos de classe média politicamente radicalizados. Quer dizer, o que havia de chocante era a inédita ampliação das classes torturáveis brasileiras, até então seletivamente restritas aos pobres, negros e presos. Não deixa de ser inquietante reparar que é precisamente esta a circunstância histórica que viu nascer o que viria depois a se institucionalizar como uma política de direitos humanos e igualmente não por acaso desde então acoplada à eterna promessa de uma “verdadeira” política de segurança pública, em contraposição à usual, baseada na escalada punitiva, desde o enfrentamento tipo “guerra urbana” até o endurecimento contínuo da execução penal. Voltando ao básico.”
Vê-se a falência de um discurso de direitos humanos assentado, apenas, nas bases éticas e filosóficas do positivismo europeu. É urgente lançarmos-nos no desafio acadêmico da sistematização de um pensamento de direitos humanos afro-latino inspirado nas grandes tradições de cosmovisões ancestrais e respeitador da vida humana em qualquer dimensão que ela esteja.
Os Governos mostram-se cada vez mais ineficientes ao tratar da temática da segurança pública e dos direitos humanos. Sem adentrarem às grandes questões do assunto, ficam sempre num sobrevôo raso onde o mais do mesmo é o que diferenciam a direita e a esquerda na lógica de utilização das velhas práticas, meramente punitivas e ineficazes.
Mortes como a do menino Djair podem se repetir, e, infelizmente, poderão continuar ocultadas, pelo corporativismo da polícia, pela ineficiência da grande imprensa ou mesmo pela nossa cegueira diária. Novos jovens poderão aumentar a lista dos atocaiados pelo Estado e terão as suas mortes choradas por suas mães, pretas, que sabem que “Se fosse filho de barão, era diferente”
O Estado, burguês e racista, continuará com o seu discurso velho de neutralidade, de paciência, de tolerância e de conciliação e nós? O que vamos fazer?
Penso que mais do que nunca é hora de aprofundarmos a luta e caminharmos nas ruas. É hora de dizer que a polícia não contará com o nosso silêncio, que politizaremos cada ato cometido contra um dos nossos, que gritaremos, enquanto forças tivermos, para que a profecia de João Cabral de Melo Neto não se cumpra e que deixemos de morrer: “de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte e de fome um pouco por dia”.

*Estudante de Direito, membro do Núcleo de Estudantes Negras e Negros da Universidade Estadual de Feira de Santana, voluntário da Cáritas Arquidiocesana e filiado ao Partido dos Trabalhadores / BA.

26 de jan. de 2008

Textos dos detentos

É possível dar a volta por cima
José Carlos Castorino

Vivemos diante de um mundo conturbado onde as pessoas vivem cheias de problemas, tristezas, frustrações, desesperadas em busca de paz interior e de si mesmas.É por isso que lhe digo: entregue sua vida para Deus.
Com Deus você dará a volta por cima de todas as coisas que te fazem sofrer. Com ele, você entenderá que é possível encontrar soluções para todos os seus problemas.
Com ele, você aprenderá a lidar com o medo a depressão, a sensação de fracasso e outras situações que certamente lhe fazem sofrer.
Com nossa lição de vida ajudará você a entender que, por mais que tudo pareça estar perdido, ainda existe esperança de que é possível dar a volta por cima.

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Alerta
Eduardo Lima de Paula

Eu venho através desta alertar aos jovens que atualmente se encontram desencaminhados na vida.
Eu tenho 19 anos e me encontro preso no momento em que eu poderia estar curtindo o melhor momento de minha vida, momentos em que eu poderia estar adquirindo outros conhecimentos.
No momento que eu poderia estar com minha família desfrutando o bom que a vida oferece. E tudo isso fica perdido, por um momento apenas, um momento de distração.Agora é erguer a cabeça e seguir em frente, com a mente voltada para o futuro, que certamente será melhor. Um abraço a todos os meus familiares.
Publicados na edição 139 do jornal Recomeço

25 de jan. de 2008

Edição 139

RECOMEÇO - O jornal dos detentos
A edição 139 do jornal impresso está no site Recomeço (que contém todas as edições do jornal, desde o seu início em 2001).
Para ler,
CLIQUE AQUI

24 de jan. de 2008

Marilena Chauí


Sobre "VIOLÊNCIA, RACISMO E DEMOCRACIA"

"...as leis sempre foram armas para preservar privilégios e o melhor instrumento para a repressão e a opressão, jamais definindo direitos e deveres concretos e compreensíveis para todos. Essa situação é claramente reconhecida pelos trabalhadores quando afirmam que "a justiça só existe para os ricos."

O Poder Judiciário é claramente percebido como distante, secreto, representante dos privilégios das oligarquias e não dos direitos da generalidade social.

Para os grandes, a lei é privilégio;para as camadas populares, repressão. A lei não figura o pólo público do poder e da regulação dos conflitos, nunca define direitos e deveres dos cidadãos porque, em nosso país, a tarefa da lei é a conservação de privilégios e o exercício da repressão. Por este motivo, as leis aparecem como inócuas, inúteis ou incompreensíveis, feitas para serem transgredidas e não para serem transformadas - situação violenta que é miticamente transformada num traço positivo, quando a transgressão é elogiada como “o jeitinho brasileiro”.

As desigualdades econômicas atingem a proporção do genocídio. Os negros são considerados infantis, ignorantes, safados, indolentes, raça inferior e perigosa, tanto assim, que numa inscrição gravada até há pouco tempo na entrada da Escola de Polícia de São Paulo dizia: "Um negro parado é suspeito;correndo, é culpado".

Os índios, em fase final de extermínio, são considerados irresponsáveis (isto é, incapazes de cidadania), preguiçosos (isto é, mal-adaptáveis ao mercado de trabalho capitalista), perigosos, devendo ser exterminados ou, então, "civilizados" (isto é, entregues à sanha do mercado de compra e venda de mão-de-obra, mas sem garantias trabalhistas porque "irresponsáveis").

Os trabalhadores rurais e urbanos são considerados ignorantes, atrasados e perigosos, estando a polícia autorizada a parar qualquer trabalhador nas ruas, exigir a carteira de trabalho e prendê-lo "para averiguação", caso não esteja carregando identificação profissional (se for negro, além de carteira de trabalho, a polícia está autorizada a examinar-lhe as mãos para verificar se apresentam "sinais de trabalho" e a prendê-lo caso não encontre os supostos "sinais").

Numa palavra, as classes populares carregam os estigmas da suspeita, da culpa e da incriminação permanentes. Essa situação é ainda mais aterradora quando nos lembramos de que os instrumentos criados durante a ditadura (1964-1975) para repressão e tortura dos prisioneiros políticos foram transferidos para o tratamento diário da população trabalhadora e que impera uma ideologia segundo a qual a miséria é causa de violência, as classes ditas "desfavorecidas" sendo consideradas potencialmente violentas e criminosas.
É uma sociedade que não pode tolerar a manifestação explícita das contradições, justamente porque leva as divisões e desigualdades sociais ao limite e não pode aceitá-las de volta, sequer através da rotinização dos "conflitos de interesses" (à maneira das democracias liberais). Pelo contrário, a classe dominante exorciza o horror às contradições produzindo uma ideologia da indivisão e da união nacionais, a qualquer preço. Por isso recusa perceber e trabalhar os conflitos e contradições sociais, econômicas e políticas enquanto tais, uma vez que conflitos e contradições negam a imagem mítica da boa sociedade indivisa, pacífica e ordeira. Contradições e conflitos não são ignorados e sim recebem uma significação precisa: são considerados sinônimo de perigo, crise, desordem e a eles se oferece uma única resposta: a repressão policial e militar.

A existência de crianças de rua é vista como "tendência natural dos pobres à criminalidade". Os acidentes de trabalho são imputados à incompetência e ignorância dos trabalhadores. As mulheres que trabalham (se não forem professoras, enfermeiras ou assistentes sociais) são consideradas prostitutas em potencial e as prostitutas são tidas como degeneradas, perversas e criminosas, embora, infelizmente, indispensáveis para conservar a santidade da família.
A sociedade brasileira está polarizada entre a carência absoluta das camadas populares e o privilégio absoluto das camadas dominantes e dirigentes, bloqueando a instituição e a consolidação da democracia.
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Marilena Chauí é filósofa e professora da Faculdade de Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH)
Texto completo
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22 de jan. de 2008

Barbárie em Recife

Há 48 dias, jovem é mantido algemado à cama do hospital

Um jovem de 17 anos está há 48 dias algemado à cama de um hospital em Recife (PE), onde está custodiado pela Polícia Civil. Ele foi detido pela PM em 6 de dezembro após tiroteio em Santo Amaro, bairro onde mora. Ele foi atingido na perna.O conselheiro tutelar André Torres diz que o caso foi denunciado ao Ministério Público Estadual anteontem e que as algemas não são retiradas nem durante as refeições. Torres afirma ainda que há negligência médica por causa da situação do jovem, internado no Hospital da Restauração."É um tratamento desumano e constrangedor, que fere o Estatuto da Criança e do Adolescente", diz Torres.Segundo a delegada da GPCA (Gerência de Proteção à Criança e ao Adolescente), Inalva Regina, o adolescente está algemado devido ao alto número de fugas em hospitais, apesar da presença de policiais. Segundo ela, o garoto foi preso em flagrante por porte de arma e aguarda pronunciamento da Justiça.O pai do garoto, Evandir dos Santos Filho, 37, nega que o filho esteja envolvido com o crime. Segundo ele, o adolescente, assustado com o tiroteio, correu e foi confundido com os bandidos. A coordenadora das Promotorias de Infância e Juventude de Pernambuco, Glória Ramos, diz que solicitou à Polícia Civil e à Fundac (Fundação da Criança e do Adolescente) que as algemas sejam retiradas. Até ontem, ele continuava algemado.

Publicado na FSP, 22 de Janeiro de 2008

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Comentário

Barbárie no país. Esse caso é um dos poucos que saem na imprensa. Por que não algemaram numa cama (ou numa pilastra) o Cacciola, o Pimenta Neves, os 4 promotores assassinos recentes, o juiz que matou o vigia no supermercado, e outros "figurões" homicidas e salafrários? Ao contrário, vão todos muito bem, obrigada, livres de algemas e seguindo suas vidas tranquilamente. Confiam na generosidade da nossa justiça. Por que nossa fúria é direcionada só aos adolescentes pobres deste país? Será que nunca terá fim a nosso covardia histórica?

Homens perigosos, onde?


10 de jan. de 2008

Manuel de Barros










me explica por que um olhar de piedade
cravado na condição humana
não brilha mais que anúncio luminoso?
Me explica por que penso naqueles moleques
Como nos peixes
Que deixava escapar do anzol

Com o queixo arrebentado?

(Poemas concebidos sem pecados, pág 27)
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O ser que na sociedade é chutado como uma barata - cresce de importância para o meu olho.
Pessoas pertencidas de abandono me comovem: Tanto quanto as soberbas coisas ínfimas.

(Retrato do artista quando coisa - Editora Record, 1998)
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9 de jan. de 2008

Fim de noite

Uma pausa para o que ainda há de divino no ser humano: a música.. Que maravilha a expressão divertida e feliz de Pavarotti!
Luciano Pavarotti & Bryan Adams - O Sole Mio (1994)



8 de jan. de 2008

Depoimento

O ex-recuperando da Apac, Geovani Martins Ribeiro, escreveu artigo sobre a conquista da sua liberdade em dezembro de 2007 e a seguir outro artigo relatando os cruéis efeitos da pena de reclusão e do quanto se assemelha à prisão perpétua. Leia os dois artigos que sairão no jornal impresso edição 139:
GRATIDÃO

É com muita alegria que escrevo pela última vez no ano de 2007, ano de lutas, sacrifícios, mas principalmente de vitórias.
Alegrias também por já não redigir na condição de recuperando da APAC e sim como colaborador do Jornal Recomeço. Conquistei a liberdade no último dia 10 de dezembro.
Uma nova etapa, um passo, novos desafios, outros esforços, renúncias e, agora, esperança revigorada e muita determinação de seguir no rumo certo.
Agradeço a toda a equipe da APAC e do Jornal Recomeço por tudo que fizeram em prol da minha recuperação e ainda estão fazendo para minha reincersão na sociedade. Já estou trabalhando, passei no vestibular e cursarei Direito.
Um abraço fraterno ao Sr. Clóvis, Dr. Dilson, D. Clarice, D.Dalva, D. Santinha, Irmã Beth, D. Gueguê, Dr. Leonardo, Sr. João e D.Maria, essas pessoas que investem na regeneração dos apenados, dedicando tempo, energia e amor, sobretudo.
Aproveito também para agradecer aos colaboradores voluntários e parceiros sem os quais o modelo APAC não funcionaria. Que essa equipe cresça cada vez mais. Parabéns a todos pela execução desse trabalho difícil, muitas vezes incompreendido e criticado, mas que segue princípios cristãos servindo a Deus humanizado na figura do irmão.
Sigam em frente.
Muito obrigado.

OS EXCESSOS DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

A pena privativa de liberdade (prisão), instituto penal utilizado pelo estado para punir o transgressor em restituição ao ilícito cometido, desestimular os desvios de conduta e, principalmente recuperar aquele que agiu ao arrepio da lei, tornou-se impraticável.

As conseqüências da sentença de prisão espraiam-se por um campo ilimitado da performance existencial do condenado, sendo sentidos até mesmo por sua família e no período pós-cárcere. O que deveria ser apenas a restrição da liberdade de ir e vir por um período de tempo transmuta-se em jugo opressor para o apenado, tornando morta a letra da Constituição Federal de 1988, quando diz que a pena não pode passar da pessoa do condenado.

As cadeias superlotadas, causa da violência e tensão constante, alimentação precária, as condições higiênicas inexistentes e o atendimento médico-hospitalar claudicante vêm à garupa da penalidade, como presente de grego.

Para a família, tratamento aviltante perpetrado por alguns agentes públicos despreparados e desmotivados que atendem nos presídios, delegacias ou fóruns. Também a tira-colo, o preconceito, como no caso do pai de família que chama o filho para dentro de casa e adverte-o para não brincar com aquele determinado colega por ser filho de presidiário. Afora os ácidos comentários quando a mãe do presidiário passa.

Essas conseqüências extensivas manifestam-se até mesmo na fase final da sanção, quando já em liberdade: com os direitos políticos suspensos não se pode votar, não se pode ser admitido em quadro funcional público, não se pode nem sequer pleitear uma casa própria pelo Sistema Nacional de Habitação; as empresas privadas, em sua maioria, lançam mão da certidão de antecedentes criminais como critério de seleção de funcionários, excluindo, a priori, o egresso do sistema; outras barreiras aqui não elencamos por acreditarmos ser as supracitadas suficientes para a conscientização dos nefastos sobrefeitos da famigerada pena privativa de liberdade.

O rigor empregado pelo ente estatal no tratamento ao infrator objetivando o incentivo a obediência às regras extrapola os limites do legal, do proporcional e do aceitável, mas legitima-se na prática.

O eminente jurista Aníbal Bruno diz ser "a critica que impede o isolamento do Direito como coisa definitivamente concluída e o restaura na continuidade da evolução da que o direito vigente é apenas um momento transitório", pois fica registrada nossa indignação a respeito dos efeitos acessórios da pena na esperança de os operadores do direito e o Poder Legislativo estimularem e criarem normas para a formação de um cenário mais justo, e menos cruel.

Geovani Martins Ribeiro (ex apac-Leopoldina)

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A equipe Apaqueana parabeniza ao recuperando pela sua liberdade e pelo brilhante desempenho educacional no vestibular da faculdade Doctum, tendo sido classificado em 10º lugar. Conte sempre conosco.

6 de jan. de 2008

Desligue a TV no BBB 8

Globo volta a apostar no erotismo barato com 'BBB 8'

Deu na Folha Online (via FNDC) em 03/01/2008:
A Globo evitou riscos na escalação dos 14 participantes da oitava edição do 'Big Brother Brasil', que começa na próxima terça-feira. Com base na divulgação das imagens e dos dados sobre os escolhidos, será, mais uma vez, um programa voltado para o erotismo barato.
Para vender a assinatura do programa na TV fechada, a Net escancara o espírito do reality show: o telespectador terá compactos de cenas de banho, barracos e os melhores closes nos corpos de sarados e gostosas.
Não é de se espantar a repetição do formato. A história da Globo mostra que, em momentos de crise no ibope, a baixaria é a fórmula mais adotada pelo canal para reagir, estimulando aquilo que os comunicólogos chamam de 'cultura do grotesco'.
Em 2007, a Globo perdeu espaço para a Record, que também não é santa e vive injetando doses de erotismo em sua programação - cenas de sexo e violência enchem, por exemplo, as novelas do canal dos bispos.
A seleção do 'BBB 8' descartou os elementos que possam, na visão da Globo, atrapalhar o cenário para o onanismo eletrônico. Nada de gente feia, gorda nem pobre à beira da piscina, lembrando que o Brasil é uma terra de mestiços, assalariados e gente fora dos padrões de estética ditados pela publicidade.
Talvez, o 'gênio' e diretor do programa Boninho - aquele que se deixa flagrar em vídeo confessando o esporte de jogar ovos em prostitutas - merecesse uma resposta contundente do telespectador esclarecido. Desligue a TV.
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Fonte: Grupo cafeconsciencia@yahoogrupos.com.br

4 de jan. de 2008

Os meninos de Veronese

Sobre a postagem Antonio Veronese, recebemos da leitora Simone Trajano Ribeiro do Rio de Janeiro:

"Meu Deus, somente por aqui pude descobrir que o Brasil tem um pintor com essa força! Que vergonha para a nossa imprensa que jamais abre espaço para os grandes pintores. Má vontade?Desatenção? Ou simplesmente ignorância? Enquanto isso, na minha banca de revistas, há somente hoje expostas 22 imagens de Gizelle Bunchen. É, cada país tem a imprensa que merece! Bravo ao Jornal Recomeço por fazer divulgar um artista desta grandeza!"

3 de jan. de 2008

Assim se mata em Minas Gerais

Em Minas Gerais, a pena de morte por arma de fogo está sendo substituída pelo fogo. Nem os nazistas chegaram a tanto: matavam primeiro para depois jogar os corpos no forno crematório. Aécio Neves prefere queimar os detentos vivos. "Polícia do governo Aécio Neves (PSDB) não explicou onde estava o carcereiro no momento do fogo nem divulgou seu nome", diz a manchete do jornal.
Aí estão os nomes dos jovens mortos. Como se dizia: são judeus, são comunistas, são ciganos, são negros, são heréticos... Agora são "traficantes de drogas"... Joga-se na fogueira. E pronto! Assim caminha a humanidade.
Juarez de Jesus Santos, 28 anos, condenado por furto
Anderson Dorneles dos Santos, 23 anos, condenado por furto
• Marlon Fernandes, 24 anos, condenado por tentativa de homicídio
• Raimundo Anastácio de Moura, 35 anos, condenado por furto
• Rodrigo Luciano dos Santos, 18 anos, autuado por tráfico de drogas
• Everson Barbosa Ferreira, 18 anos, autuado por tráfico de drogas
• Jaider Martins, 21 anos, autuado por tráfico de drogas
• Donizete Gomes, 41 anos, condenado por tráfico de drogas
(Fonte: Policia Civil)