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15 de jul. de 2010

Texto de uma recuperanda

Punir e (res) socializar
Cristiana Gomes (*)

"...tudo nos leva a crer que a APAC, antes de nascer no coração de qualquer pessoa, nasceu primeiro no coração de Deus, pois podemos sentir o seu amor em cada detalhe, cada gesto, em cada manhã que se inicia, em cada voluntário que disponibiliza seu tempo conosco."

Somos um total de 27 mulheres.

Mulheres com sonhos, com incertezas, mulheres que se afligem com a “tal” falada T.P.M., mulheres que são capazes de sorrir com quem sorri, de chorar com os que choram; somos mulheres chamadas de sexo frágil, mas que viram feras e se transformam em verdadeiras leoas para defender aqueles que amamos.

A diferença é que somos 27 mulheres apenadas e que se encontram cumprindo suas penas na APAC feminina de Governador Valadares.

Somos mulheres que cometemos delitos e que hoje nos encontramos com nossas liberdades restritas; mulheres que têm a honra de poder estar cumprindo nossas penas em um lugar digno, familiar, acolhedor, onde podemos ter de volta nossa feminilidade, nossa vaidade; podemos ter nossa autoestima elevada, aquilo que havíamos perdido e foi resgatado, como nosso nome, por exemplo.

A dignidade perdida, o número ao qual nos foi dado no sistema comum ficaram para trás, num passado não muito distante, mas que trouxe um presente cheio de esperança e realizações.

Mesmo tendo perdido o direito de ir e vir, deixamos de nos culpar e começamos a olhar a família como fonte de tudo e a família, essa se sente feliz, por ser tratada com dignidade, respeito e por verem seus entes queridos serem tratados com a mesma igualdade.

Somos tratadas de recuperandas, afinal isso tudo é um processo. Confesso que não é tão simples assim, mas contamos com pessoas capacitadas, que colocam em nossa frente espelhos, para que possamos enxergar que estamos vivas, que temos vida e que, enquanto há vida, há esperança.

Em meio o tudo isso, tudo nos levam a crer que, a APAC antes de nascer no coração de qualquer pessoa, nasceu primeiro no coração de Deus, pois podemos sentir o seu amor em cada detalhe, cada gesto, em cada manhã que se inicia, em cada voluntário que disponibiliza seu tempo conosco.

Aqui a finalidade é matar o criminoso e salvar o homem.

Quantas portas se abriram para nós através da APAC! Era tudo o que queríamos: uma oportunidade. Oportunidade que me foi dada pela ARDOCE, onde estou trabalhando diariamente.

Somos capazes de sermos honestas, dignas, verdadeiras mulheres virtuosas.

Devemos tudo isso, primeiramente a Deus que é nosso provedor, a todos que torcem e fazem o possível para que todas as coisas cooperem para o nosso bem e, também, à sociedade que outrora nos discriminava e hoje nos apóia.

Quando falamos de sociedade, voltamos no tempo e nos lembramos das vezes que ela se colocou contra nós.

Não foram poucas as vezes que, em meio ao sofrimento do sistema comum, ouvíamos dizer que a APAC estava ameaçada.

Mas nós vencemos e hoje estamos aqui para provar que nem tudo está perdido. Mas imaginem se tivesse sido o contrário?

Se a batalha tivesse sido perdida, hoje eu não estaria aqui escrevendo essas mal traçadas linhas e usando esse espaço para interceder por meus amigos de sofrimento que se encontram no sistema comum, a procura de uma única chance.

Aqueles que hoje tem seus lares desfeitos, que choram ao verem seus filhos indo embora aos domingos após as visitas (isso quando se tem visita), aqueles que choram por verem seus familiares humilhados para poderem visitá-los, necessitam de ajuda.

Será que ninguém para pra pensar que julgar e condenar não vai adiantar?

Tudo leva a crer que toda essa manifestação contra a APAC masculina não passa de um lamentável mal-entendido, por falta de informação ou má-fé: “Ninguém ama aquilo que não conhece”.

Cometemos um crime, fomos julgadas, condenadas, precisamos cumprir nossa pena sem sermos torturadas e humilhadas.

Queremos que a visão da sociedade mude a respeito das APACs. Não queremos ficar com a impressão de que certas pessoas ou grupos temem ser prejudicados se os direitos dos outros forem respeitados.

Creio que seja, obrigação moral de toda a sociedade, que quer o bem de seu país, conhecer, debater, para aprender a amar, ampliar e lutar por essa causa.

Deixemos de ser “dedos que apontam, que julgam, lembrando sempre que: quando apontarmos um dedo a alguém, três dedos se voltam para nós mesmos, e passemos a ser mãos acolhedoras”.
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(*) Recuperanda da APAC feminina de Governador Valadares.
Fonte: FBAC - Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados

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