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9 de set. de 2009

Laerte Braga - jornalista, escritor, cineasta e colaborador da Agência Assaz Atroz
Guri, o moído vivo
SENHORAS E SENHORES, CUIDADO, VEM AÍ O HOMEM DA LEI
Tortura é crime hediondo em qualquer lugar do mundo. A Constituição do Brasil transformou essa prática em crime inafiançável. Mas essa prática é rotina em nosso País. Tanto contra presos como contra eventuais suspeitos, ou desafetos de policiais; polícias, faz parte do processo de “manutenção da ordem e da lei”, ou dos bons costumes, como se costuma dizer.

A Polícia Militar de Minas Gerais incentiva uma crença que é diferente, por exemplo, da Polícia Militar do Rio ou de São Paulo. Nem tanto. Na cidade de Leopoldina, Minas, um preso conhecido como Guri, tranqüilo e de bom comportamento, deixou de voltar ao presídio após o vencimento do benefício de visita familiar, ou à sua casa. A Polícia foi ao seu encalço. O que é natural, papel da Polícia.

Deu-se, no entanto, que os policiais além de prender Guri o espancaram, na rua, diante de sua comunidade, de forma ultrajante, ilegal, humilhante, o que torna os policiais e particularmente aquele que acabou por gerar a morte de Guri, em criminoso tanto quanto todos os “Guris”, em qualquer presídio do Brasil ou do mundo.

Guri morreu dois dias depois em conseqüência dos golpes sofridos.

Feita a denúncia ao Ministério Público, o promotor Gustavo Garcia Araújo, daquela cidade, decidiu investigar o crime, a barbárie, e tomou as providências cabíveis. Testemunhas dispostas a relatar os fatos? Nenhuma.

O comunicado da Polícia Militar sobre o assunto é igualzinho a todos os outros comunicados em casos assim, em qualquer lugar do mundo. Está apurando os fatos e vai “punir os responsáveis”. O fato aconteceu no dia 17 de julho deste ano. Foram dois os detidos, o outro está recolhido à cadeia pública de Leopoldina depois de atendido num hospital da cidade. Dentre as providências requeridas pelo promotor está a exumação do cadáver de Guri para que seja feita uma autópsia que determine a natureza dos ferimentos, a causa mortis com precisão. Sequer isso foi feito.

Nos Estados Unidos a granja Hy Line joga numa máquina de moer cerca de 150 mil pintinhos de um dia por dia. Segundo os empresários os pintinhos sacrificados não atendem aos padrões de qualidade da empresa. Falam de crescimento, carne e capacidade de pôr ou não ovos, em sendo o caso. Logo, não dão lucro.

A denúncia foi feita pela ONG MERCY FOR ANIMALS, que gravou com uma câmera oculta os procedimentos na granja. São trinta milhões de aves por ano. São moídas vivas.

Um comunicado oficial do grupo Hy-Line International, líder mundial do setor, reconhece que o vídeo gravado pela ONG é real e “parece mostrar práticas desapropriadas que contraria sua política de bem estar dos animais”. Tom Jorgensen, diretor da empresa lamenta que a ONG tenha trazido o assunto a público sem antes tentar avisar a empresa para providências cabíveis.

Vai ver não sabia de nada, está inocente.

O policial militar que matou Guri vai, naturalmente, alegar que houve resistência, tentativa de desmoralizar sua autoridade H2O, essas impressionantes manifestações de cinismo que são, antes de mais nada, reflexos de um modelo em que os jovens crescem eliminando “terroristas” em jogos de vídeo game e depois em aviões carregados de bombas de alta precisão nas guerras que travam para “libertar” o mundo.

E quem vai libertar o mundo dessa gente? No site do jornal RECOMEÇO, que trabalha com a recuperação de detentos, está uma frase de Graciliano Ramos, um dos maiores escritores da língua portuguesa e ele próprio, durante um período, freqüentador de cadeias por conta dessa mania boba de querer exercer os seus direitos.

Diz o seguinte a frase: “Se eu fosse autoridade, soltaria os presos e prenderia os bandidos”.

De um modo geral as pessoas só se incomodam com fatos como esse da morte de Guri quando a vítima da violência policial, ou qualquer tipo de violência, lhes está próxima. Fora isso, daqui a pouco é hora da novela.

O que não percebem é que a boçalidade criminosa desse policial militar que matou Guri é regra geral e incentivada nessa obsessão de “lei e ordem”, boa parte herança da ditadura militar, no caso a impunidade nos crimes de tortura, é parte de um modelo violento em si e por si e que só sobrevive na violência das classes dominantes.

Na execução de um preso como Guri, ou nas bombas despejadas sobre aqueles que não querem ceder, por exemplo, o petróleo. Ou a água.

São como o lobo na fábula de La Fontaine. Comem os cordeiros diariamente, assim como se fossem pintinhos de um dia, em “legítima defesa” do direito de ser boçal. De ser bárbaro.

Polícia Militar é um braço desse modelo. Em Leopoldina, ou atirando em trabalhador rural sem terra pelas costas. Ou no massacre de Eldorado do Carajás. Em todos os momentos que a violência impune se mostra como face de um estado democrático de mentirinha.
Ou será que existe alguém ingênuo que acredite que é possível lei e ordem, civilização, com Sarney presidente do Senado? FHC solto e impune depois de vender o País e embolsar grossas propinas para sua pirâmide de faraó do século XXI? José Serra e Aécio Neves governadores de São Paulo e Minas, os dois maiores estados da suposta federação brasileira? Artur Virgílio e Tasso Jereissati senadores?

Não se tem notícia que a violência policial contra Guri e a que ocorre todos os dias em qualquer canto do Brasil contra quem quer que seja tenham sido objeto de denúncia da GLOBO. Ou da RECORDE. Ou de VEJA.

Da violência e barbárie do latifúndio da senadora Kátia Abreu no trabalho escravo de milhares de brasileiros. Homens e mulheres submetidos às mais abjetas condições de sobrevivência por conta da tal “lei e da tal ordem”.

Sobral Pinto, quanto esgotados todos os recursos para a defesa de Olga Benário e Luís Carlos Prestes, na ditadura Vargas, apelou para o acordo internacional dos direitos dos animais.

Já sabia que essa máquina de moer pintos de um dia mói bem mais que isso. Mói seres humanos.

Senhores e senhoras aos shoppings, que hoje é dia de liquidação. E sorria, pois o senhor ou a senhora estão sendo gravados para sua própria segurança. E não se preocupe, além das câmeras para “sua segurança”, lá estarão imensos televisores para que o senhor e a senhora não percam nem o JORNAL NACIONAL nem a novela das oito.

Já o Guri...

Foi moído tal e qual o senhor e a senhora, na máquina de moer gente. Uns, como o Guri, sem calças desenhadas por Pierre Cardin; outros, montados em tênis ADIDAS e que tais na presunção que um dia chegam a Ermírio de Moraes.

2 comentários:

  1. Antônio-BH10/9/09

    Excelente artigo, pena que fique confinado a um espaço de restrito. Isso devia ser divulgado no Jornal Nacional, mas parece que não interessa a muitas autoridades. O quê me pasma é ver o prazer de alguns maus policiais na prática de tanta maldade. Fiquem sabendo que o Guri era até gente boa, ele se enquadraria bem na frase de Graciliano Ramos. Vamos ver se o MP faz mais do que está fazendo, fazer só alguma coisa não basta, tem fazer tudo, tem que ir até o fim.

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  2. Antônio, obrigada por sua presença aqui no Recomeço. Realmente, o artigo do Laerte Braga está excelente e demonstra com precisão a barbárie que estamos vivendo. Quanto ao MP, acredito que irá até o fim, não é possível que vá recuar diante de um crime tão hediondo.

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