ÀS VÉSPERAS DE DEIXAR O CARGO DE CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA, MINISTRO DIZ TER FICADO SURPRESO COM AMPLITUDE DE IRREGULARIDADES
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FREDERICO VASCONCELOS DE SÃO PAULO
A magistratura não tem uma blindagem contra a corrupção, admite o ministro Gilson Dipp (foto), corregedor nacional de Justiça, espécie de fiscal dos juízes. Às vésperas de ser substituído por Eliana Calmon, ele diz que as inspeções do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em 17 tribunais mostraram que as "maçãs podres" -os juízes sob suspeição- não eram tão pontuais como ele imaginava. "Isso foi surpreendente, chocante", diz. Nos dois anos em que Dipp foi corregedor, o CNJ puniu 36 magistrados.
Folha - O que mudou no Judiciário com as inspeções do CNJ?
Gilson Dipp - A mudança se deu com a criação do próprio CNJ, hoje uma sigla respeitada. As inspeções e as audiências públicas foram um passo adiante. A inspeção não se restringe ao aspecto disciplinar. É uma radiografia dos tribunais, das varas e dos cartórios.
O que mais o impressionou nessa radiografia?
Me impressionou muito a imensa desigualdade entre os Judiciários federais e os estaduais. A grande maioria dos Judiciários estaduais têm deficit de funcionários, poucos são concursados. Os cargos de comissão geralmente estão concentrados nos tribunais. Muitas vezes o juiz do interior é abandonado, com funcionários cedidos pelo município sem nenhum preparo específico.
Qual foi a irregularidade que mais o surpreendeu?
O que me impressionou foi uma prática recorrente em alguns Estados, não estou generalizando: a liberação de altos valores em cautelares, medidas liminares em detrimento de grandes empresas e grandes bancos, a favor de pseudo credores basicamente insolventes e sem qualquer garantia de caução. É um total desvirtuamento da autonomia do juiz. Um verdadeiro abuso de poder.
Nas inspeções nos Estados, o sr. encontrou mais "maçãs podres" do que imaginava?
Sim. Nós imaginávamos que os casos de "maçãs podres" eram muito pontuais. Na verdade, não foram tão pontuais assim. Isso foi surpreendente, chocante. Mostrou a todos nós que a magistratura não tem uma blindagem contra atos de corrupção e irregularidades.
Em 2007, o sr. disse que caiu o mito do juiz intocável. E os tribunais que não cumprem determinações do CNJ?
Os tribunais sempre foram ilhas desconhecidas e intocáveis. Quando tiveram que prestar contas das atividades administrativas, orçamentárias e disciplinares a um órgão de coordenação nacional, a reação foi grande. Hoje a resistência é pequena. Alguns tribunais eram compostos de barões, duques, fidalgos, e com um rei a cada dois anos. Esse mito está caindo.
Foi difícil afastar o juiz federal Weliton Militão dos Santos [da Operação Pasárgada]?
O CNJ tomou uma decisão unânime, muito consciente e baseada nas provas existentes. Não fez mais do que sua obrigação e nada que fosse difícil. Na verdade, os tribunais ainda têm muitas dificuldades de tocar processos administrativos disciplinares para eventuais punições de seus integrantes. Sobre os mesmos fatos apreciados pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região [que apenas censurou o juiz], o CNJ chegou a uma decisão diametralmente oposta. É o papel do CNJ e é a sua obrigação.
Foi difícil aposentar o ministro Paulo Medina, do STJ, juiz prestigiado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais?
É sempre muito penoso ser o relator de um processo que investiga um colega de tribunal. No caso, houve a decisão unânime do colegiado de penalizá-lo com a aposentadoria compulsória. Eu e meus colegas do conselho não fazemos isso sem traumatismos. É um colega que eu conhecia há muitos anos. Mas ou assumo a condição de corregedor ou temos que reconhecer que o CNJ não é capaz de tomar decisões drásticas.
A aposentadoria compulsória é um prêmio ou uma pena sem condenação definitiva?
É a pena mais grave prevista na atual lei da magistratura. Ela não é um prêmio. A pecha que recai sobre o magistrado o atinge como pessoa, com atribuições de honra e de cidadania. Não estou falando do caso específico, mas quando se aposenta o juiz está se retirando o magistrado do local que lhe propiciava as práticas de atos irregulares. Isso não é pouco.
Para alguns juízes, o CNJ extrapola sua competência ao entrar em decisões judiciais.
O CNJ jamais entra na autonomia do juiz. Salvo quando a decisão revela abuso de poder. Há inúmeras apurações a pedido dos próprios tribunais, porque eles não tinham autoridade de fazer um procedimento disciplinar. O CNJ não extrapola. O ideal seria não haver irregularidade por parte de juízes.
O fato de o ministro Celso de Mello, do STF, determinar que voltassem ao cargo dez juízes aposentados pelo CNJ compromete o conselho?
Absolutamente. É um caso pontual em que houve o afastamento de dez magistrados. É uma decisão ainda provisória, proferida isoladamente. Não vejo como essa decisão comprometa a autonomia do CNJ. O processo veio para cá a pedido do próprio corregedor do Tribunal de Justiça do Mato Grosso. Mas isso são percalços que o CNJ está correndo, já correu e vai correr. Há decisões muitas vezes incompreendidas, porque estamos aqui no chão, no front, e não fechados em gabinetes.
O ministro Dias Toffoli afirmou que o CNJ atropelou os princípios da ampla defesa e do contraditório, no caso do "auxílio-voto" para juízes convocados pelo TJ-SP.
Confesso que não vi a decisão. Parece que se discutia a possibilidade de os juízes que receberam o "auxílio-voto" fazerem a devolução desses valores, e que eles não foram intimados. Acho que a decisão não desvirtua e não afronta o CNJ. Às vezes erramos e podemos sofrer o crivo e, ainda bem, apenas do STF.
O ministro Cezar Peluso mantém a disposição do antecessor, Gilmar Mendes, de apoiar as inspeções?
Ele sempre manifestou a intenção de ser bem intransigente com todos os deslizes administrativos e disciplinares. Sempre recebemos todo o apoio dele. As inspeções e audiências tendem a diminuir. Já sabemos os problemas recorrentes da magistratura. As inspeções no futuro, serão pontuais para apurar determinados fatos, mesmo com alguma amplitude. Não serão inspeções que deslocam muitos funcionários.
A atuação do CNJ será mantida pela nova corregedora, ministra Eliana Calmon?
Tenho absoluta confiança que ela vai desenvolver um trabalho eficiente. Não só pela sua postura, como também pelas manifestações que tem feito dar continuidade ao trabalho que foi iniciado. O aprimoramento do Judiciário é um caminho sem volta.
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FREDERICO VASCONCELOS DE SÃO PAULO
A magistratura não tem uma blindagem contra a corrupção, admite o ministro Gilson Dipp (foto), corregedor nacional de Justiça, espécie de fiscal dos juízes. Às vésperas de ser substituído por Eliana Calmon, ele diz que as inspeções do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em 17 tribunais mostraram que as "maçãs podres" -os juízes sob suspeição- não eram tão pontuais como ele imaginava. "Isso foi surpreendente, chocante", diz. Nos dois anos em que Dipp foi corregedor, o CNJ puniu 36 magistrados.
Folha - O que mudou no Judiciário com as inspeções do CNJ?
Gilson Dipp - A mudança se deu com a criação do próprio CNJ, hoje uma sigla respeitada. As inspeções e as audiências públicas foram um passo adiante. A inspeção não se restringe ao aspecto disciplinar. É uma radiografia dos tribunais, das varas e dos cartórios.
O que mais o impressionou nessa radiografia?
Me impressionou muito a imensa desigualdade entre os Judiciários federais e os estaduais. A grande maioria dos Judiciários estaduais têm deficit de funcionários, poucos são concursados. Os cargos de comissão geralmente estão concentrados nos tribunais. Muitas vezes o juiz do interior é abandonado, com funcionários cedidos pelo município sem nenhum preparo específico.
Qual foi a irregularidade que mais o surpreendeu?
O que me impressionou foi uma prática recorrente em alguns Estados, não estou generalizando: a liberação de altos valores em cautelares, medidas liminares em detrimento de grandes empresas e grandes bancos, a favor de pseudo credores basicamente insolventes e sem qualquer garantia de caução. É um total desvirtuamento da autonomia do juiz. Um verdadeiro abuso de poder.
Nas inspeções nos Estados, o sr. encontrou mais "maçãs podres" do que imaginava?
Sim. Nós imaginávamos que os casos de "maçãs podres" eram muito pontuais. Na verdade, não foram tão pontuais assim. Isso foi surpreendente, chocante. Mostrou a todos nós que a magistratura não tem uma blindagem contra atos de corrupção e irregularidades.
Em 2007, o sr. disse que caiu o mito do juiz intocável. E os tribunais que não cumprem determinações do CNJ?
Os tribunais sempre foram ilhas desconhecidas e intocáveis. Quando tiveram que prestar contas das atividades administrativas, orçamentárias e disciplinares a um órgão de coordenação nacional, a reação foi grande. Hoje a resistência é pequena. Alguns tribunais eram compostos de barões, duques, fidalgos, e com um rei a cada dois anos. Esse mito está caindo.
Foi difícil afastar o juiz federal Weliton Militão dos Santos [da Operação Pasárgada]?
O CNJ tomou uma decisão unânime, muito consciente e baseada nas provas existentes. Não fez mais do que sua obrigação e nada que fosse difícil. Na verdade, os tribunais ainda têm muitas dificuldades de tocar processos administrativos disciplinares para eventuais punições de seus integrantes. Sobre os mesmos fatos apreciados pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região [que apenas censurou o juiz], o CNJ chegou a uma decisão diametralmente oposta. É o papel do CNJ e é a sua obrigação.
Foi difícil aposentar o ministro Paulo Medina, do STJ, juiz prestigiado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais?
É sempre muito penoso ser o relator de um processo que investiga um colega de tribunal. No caso, houve a decisão unânime do colegiado de penalizá-lo com a aposentadoria compulsória. Eu e meus colegas do conselho não fazemos isso sem traumatismos. É um colega que eu conhecia há muitos anos. Mas ou assumo a condição de corregedor ou temos que reconhecer que o CNJ não é capaz de tomar decisões drásticas.
A aposentadoria compulsória é um prêmio ou uma pena sem condenação definitiva?
É a pena mais grave prevista na atual lei da magistratura. Ela não é um prêmio. A pecha que recai sobre o magistrado o atinge como pessoa, com atribuições de honra e de cidadania. Não estou falando do caso específico, mas quando se aposenta o juiz está se retirando o magistrado do local que lhe propiciava as práticas de atos irregulares. Isso não é pouco.
Para alguns juízes, o CNJ extrapola sua competência ao entrar em decisões judiciais.
O CNJ jamais entra na autonomia do juiz. Salvo quando a decisão revela abuso de poder. Há inúmeras apurações a pedido dos próprios tribunais, porque eles não tinham autoridade de fazer um procedimento disciplinar. O CNJ não extrapola. O ideal seria não haver irregularidade por parte de juízes.
O fato de o ministro Celso de Mello, do STF, determinar que voltassem ao cargo dez juízes aposentados pelo CNJ compromete o conselho?
Absolutamente. É um caso pontual em que houve o afastamento de dez magistrados. É uma decisão ainda provisória, proferida isoladamente. Não vejo como essa decisão comprometa a autonomia do CNJ. O processo veio para cá a pedido do próprio corregedor do Tribunal de Justiça do Mato Grosso. Mas isso são percalços que o CNJ está correndo, já correu e vai correr. Há decisões muitas vezes incompreendidas, porque estamos aqui no chão, no front, e não fechados em gabinetes.
O ministro Dias Toffoli afirmou que o CNJ atropelou os princípios da ampla defesa e do contraditório, no caso do "auxílio-voto" para juízes convocados pelo TJ-SP.
Confesso que não vi a decisão. Parece que se discutia a possibilidade de os juízes que receberam o "auxílio-voto" fazerem a devolução desses valores, e que eles não foram intimados. Acho que a decisão não desvirtua e não afronta o CNJ. Às vezes erramos e podemos sofrer o crivo e, ainda bem, apenas do STF.
O ministro Cezar Peluso mantém a disposição do antecessor, Gilmar Mendes, de apoiar as inspeções?
Ele sempre manifestou a intenção de ser bem intransigente com todos os deslizes administrativos e disciplinares. Sempre recebemos todo o apoio dele. As inspeções e audiências tendem a diminuir. Já sabemos os problemas recorrentes da magistratura. As inspeções no futuro, serão pontuais para apurar determinados fatos, mesmo com alguma amplitude. Não serão inspeções que deslocam muitos funcionários.
A atuação do CNJ será mantida pela nova corregedora, ministra Eliana Calmon?
Tenho absoluta confiança que ela vai desenvolver um trabalho eficiente. Não só pela sua postura, como também pelas manifestações que tem feito dar continuidade ao trabalho que foi iniciado. O aprimoramento do Judiciário é um caminho sem volta.
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FONTE: Folha de São Paulo, segunda-feira, 23 de agosto de 2010
É o que mais tem...
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