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26 de fev. de 2011

Letalidade da ação policial

Polícia, povo e democracia

A comunidade deve usar de estratégias mais eficazes para combater todos os tipos de abusos

Robson Sávio Reis Souza - Doutorando em ciências sociais pela PUC Minas

O que podemos aprender com os acontecimentos de violência no Aglomerado da Serra? Inicialmente, lembremos que as relações entre a sociedade e a polícia, numa democracia, são uma espécie de termômetro do grau de civilidade de um povo. Todas as democracias têm instituições policiais – indispensáveis para a garantia da paz, da segurança e dos direitos de cidadania.

Porém, em hipótese alguma, numa sociedade verdadeiramente democrática, é permitido às polícias o uso da força de forma desproporcional. Em outras palavras, à polícia não é dado o direito de, salvo em casos excepcionais, usar da violência para quaisquer ações.

No início deste ano, uma portaria do Ministério da Justiça e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, da Presidência da República, determinou que os agentes de segurança pública não deverão disparar armas de fogo, exceto em casos de legítima defesa própria ou de terceiro, contra perigo iminente de morte ou lesão grave. A portaria proíbe que policiais atirem numa pessoa em fuga e que esteja desarmada ou que, mesmo na posse de alguma arma, não represente risco imediato de morte ou de lesão grave a ninguém. Espera-se a regulamentação, em Minas, dessa portaria.

Tudo isso seria desnecessário se as polícias brasileiras não figurassem entre as mais violentas e arbitrárias do mundo. Pesquisas (do próprio Ministério da Justiça) sobre homicídios (no Brasil) têm apontado altos índices de letalidade da ação policial. Por essas e por outras (corrupção, violência, extorsão) segmentos de nossas polícias ainda não absorveram em suas práticas os princípios basilares do Estado democrático de direito, entre as quais, a primazia e prevalência da dignidade humana. São instituições autoritárias e arbitrárias que precisam de mudanças substantivas, não remendos.

Enquanto as instituições policiais não passarem por reformas estruturais profundas não teremos um Estado democrático. Teremos nichos democráticos dentro de instituições antidemocráticas. Por isso, achar que a extinção de um grupamento dentro de uma corporação resolverá o problema da violência e da corrupção é pura miopia.


Por outro lado, a sociedade tem todo o direito de se manifestar contra as arbitrariedades e abusos policiais ou quaisquer arbítrios praticados por agentes públicos. Porém, quando usam da força e da violência, justamente para combater a mesma força e violência da qual denunciam serem vítimas, perdem parte da razão. Quando membros da comunidade destroem o patrimônio público, queimam ônibus ou depredam bens de terceiros, possibilitam que os velhos argumentos da criminalização da pobreza e dos movimentos sociais justifiquem todo tipo de arbitrariedade policial nas comunidades empobrecidas.

A comunidade deve usar de estratégias mais eficazes para combater todos os tipos de abusos. Vejam as manifestações populares que têm derrubado governos autoritários mundo afora: mobilização, vocalização das denúncias (ocupando pacificamente espaços públicos e demandando cobertura da mídia, por exemplo) e uso deste maravilhoso recurso, ainda sem censura governamental, a internet.

A comunidade deve e pode registrar as imagens, postando-as em sites gratuitos, exibindo-as para a imprensa; ou seja, cortando o cordão de isolamento tradicional que impede a pobreza de se manifestar publicamente.

Por fim, enquanto tivermos governantes medrosos e lenientes com a violência policial (e com a corrupção geral que campeia em vários órgãos da administração pública), não poderemos dizer que vivemos numa democracia.

Isso vale para os três poderes. Não adianta apontar o dedo somente para o Executivo – que tem grande responsabilidade, principalmente com as reformas policiais. É preciso que os legisladores, o Judiciário, o Ministério Público – que constitucionalmente deveria controlar as polícias – façam a sua parte para a consecução dessas reformas.

Portanto, os governos podem atuar no sentido de reformar nossas instituições republicanas, incluindo as polícias (para adequá-las aos tempos democráticos).Os acontecimentos no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, possibilitam um amplo debate sobre o modelo de polícia que queremos (e merecemos).

Que tal um pacto estadual, envolvendo governo e sociedade, no encaminhamento de propostas de mudanças substantivas para as nossas duas polícias?
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Artigo publicado no jornal Estado de Minas - 26/2

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