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11 de fev. de 2011

A quem interessa a cadeia?

Apac ou cadeia

Léu Soares de Oliveira - Engenheiro, professor do Centro Universitário Newton Paiva

O sistema carcerário brasileiro segue praticamente em linha paralela com os demais sistemas utilizados em todo o mundo. A prisão é menos recente do que se diz quando se faz datar seu nascimento a partir dos novos códigos. A prisão esteve, desde sua origem, ligada a um projeto de transformação dos indivíduos, porém, o que se vê é apenas um projeto.

O que há de fato são depósitos de presos ou pocilgas humanas. Desde o começo, a prisão deveria ser um instrumento tão aperfeiçoado quanto a escola, a caserna ou o hospital e agir com precisão sobre os indivíduos.

O fracasso foi imediato e registrado quase ao mesmo tempo em que teve início o próprio projeto. Desde 1820, se constata que a prisão, longe de transformar os criminosos em gente honesta, serve apenas para fabricar novos criminosos ou para afundá-los ainda mais na criminalidade. Foi assim que houve, como sempre, nos mecanismos do poder, uma utilização estratégica daquilo que era um inconveniente. A prisão fabrica delinquentes. Então, por que insistirmos em algo que nunca funcionou e não funcionará?

O modelo Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), que surgiu em 1972, pelas mãos sábias do advogado Mário Ottoboni, vem demonstrando que é possível, sim, a transformação do delinquente em pessoa capaz de ser reintegrada não só à sua família, mas a toda a sociedade, cumprindo assim os princípios fundamentais da recuperação. Segundo palavras de Ottoboni, na “Apac, o delinquente fica do lado de fora e entra somente o ser humano”. Além da recuperação total do homem, o sistema vem demonstrando índice positivo no que diz respeito a reincidência e custo. Enquanto no modelo tradicional, o índice de reincidência é de aproximadamente 80%, na Apac é de 5%. Enquanto o custo do preso para a sociedade, no modelo convencional, é de aproximadamente R$ 1,4 mil por mês, na Apac, é de R$ 400, ou seja, menos de um terço do sistema convencional. Como pode o Estado gastar em torno de quatro vezes mais com um preso do que com um aluno de escola pública?

Então, por que não se perguntar o porquê da rejeição ao modelo Apac? A quem interessa o modelo tradicional?

Interessa, em primeiro lugar, ao próprio Estado e seus subsistemas, porque fabricar e manter delinquentes é estrategicamente mais importante para o ostentação do poder. Enquanto a informação e o conhecimento constituem o passaporte para a cidadania, a pessoa enjaulada se constitui em presa fácil na relação de poder. Essa prática inversa, é, no mínimo, um desrespeito à inteligência humana.

A prisão não só fabrica, como também aperfeiçoa delinquente, e os delinquentes servem para alguma coisa. Por exemplo, no proveito que se pode tirar da exploração sexual – a instauração, no século 19, do grande edifício da prostituição, só foi possível graças aos delinquentes que permitiram a articulação entre o prazer sexual cotidiano e custoso e a capitalização. Como exemplo prático, podemos citar: todos sabem que Napoleão III tomou o poder graças a um grupo constituído, ao menos em seu nível mais baixo, por delinquentes de direito comum. E basta ver o medo e o ódio que os operários do século 19 sentiam em relação aos delinquentes, para compreender que estes eram utilizados contra eles nas lutas políticas e sociais, em missões de vigilância, de infiltração, para impedir ou furar graves etc. Até há pouco tempo, alguns países usavam os delinquentes nas frentes de guerra como escudo ou bucha de canhão.

Ao Estado interessa, sim, o modelo tradicional porque nele é possível exercer com truculência o poder e dessa maneira controlar suas presas já dominadas e inertes.

Ao Ministério Público, também interessa, para a manutenção do zelo para com os ditames da lei. “O preso é de responsabilidade do Estado”. Como se fosse uma função cartesiana.

Interessa e muito à banda podre da polícia, que usa os detentos para extorquir-lhes dinheiro, desde centavos dos mais pobres até milhões dos milionários.

Interessa, sim, aos fornecedores de refeições ou “quentinha”. Em Minas, são cerca de 80 mil refeições por dia.

Interessa às construtoras, que lutam para conseguir construir os grandes monumentos de ostentação de segurança, sem que nenhum deles cumpra sua função de oferecer de fato segurança máxima.

Interessa, sim, aos fornecedores de uniformes, material de limpeza e muitos outros que podemos enumerar. O Estado e seus subsistemas precisam do delinquente, e a prisão é o grande instrumento de recrutamento.

A partir do momento em que alguém entra na prisão, aciona-se um mecanismo que o torna infame, e quando sai, não pode fazer nada senão voltar a ser delinquente. Cai inevitavelmente numa espécie de conexão circular, no sistema que faz dele um proxeneta ou um alcaguete.
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Fonte: jornal Estado de Minas - Opinião - 11/02/2011

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