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6 de jan. de 2009

Filmes perniciosos

Nosso sangue escorrendo pelas Telas
Onibus 174, Tropa de Elite,Carandiru & Cidade de Deus


* Deise Benedito

Fui assistir ao filme “Ônibus 174” . Saí do cinema profundamente irritada, com asco dessa “quadrilha” de diretores de cinema que descobriram o quanto os efeitos maléficos do racismo e da discriminação, da ausência de um verdadeiro estado democrático de direito enchem, ainda mais, os bolsos desta repugnante e reinante classe média hipócrita que faz cinema já há algum tempo no Brasil.
Quem assistiu a “Cidade de Deus”, a “Tropa de Elite”, a “Carandiru” não viu nada diferente da fórmula de "sucesso" miséria & violência, tráfico & drogas.
Em meio a tudo isso, jovens e crianças negras; muitos socos; pontapés; sangue que espirra nas telas. Os personagens não são humanos, são bestializados pela violência; brutalizados; e totalmente despossuídos da existência de razão e sensibilidade. Não existem relações de afeto, amor, carinho e ternura. Fica implícito que esse amor é para outros seguimentos!
Fiquei tão revoltada! Talvez por que minha expectativa fosse outra: que os "geniais" diretores, roteiristas e outros “istas” fossem buscar um final mais digno; não um “happy end”, mas algo que provocasse uma sensação de que tudo pode vir a ser diferente.
Identificando as favelas, as comunidades, as invasões como locais que têm pessoas qualificadas, jovens negros ousados, determinados a mudar o rumo de suas vidas, buscando outras alternativas, pois nós sabemos que eles existem e que estão lá. Vários estão engajados em projetos sociais que visam a mudança deste estereótipo "preto, pobre, favelado e vapor, avião, soldado, aliado, olho de águia do movimento"; esta visão da bermuda, chinelão e uma “AKA” pendurada no ombro.
Muitos jovens homens e mulheres querem sair do "movimento" pela exaustão e estresse que vivem eles e suas familias. Sabemos que vários conseguiram sair vivos estão buscando outras formas de sobreviver com dignidade, nós temos exemplos vivos de sucesso e superação.
Nos morros, favelas, invasões Não é só isto! Sabemos do esforço concentrado, de muitos jovens destas comunidades que estão lutando para entrar no mercado de trabalho, ingressar em uma universidade. Sem contar o grande número de jovens oriundos dessas comunidades miseráveis que estão na Universidade; que querem e exigem uma qualidade digna do ser humano e necessitam ser respeitados em toda sua integralidade.
Quem assistiu ao filme "Cidade de Deus" e “Tropa de Elite” está praticamente poupado de assistir o “Ônibus 174” . Vai ver a mesma movimentação de câmeras, de luz. O cenário é o mesmo. Efeitos todos iguais. E o pano de fundo é a presença constante da falta de compromisso dos governantes, onde as palavras “cidadania” e “respeito” estão longe de serem aplicada na prática.
Esse realismo é desnecessário, do qual lançam mão para afirmar cada vez mais os conflitos sociais latentes na nossa sociedade que tem como pano de fundo a discriminação racial, o racismo institucional com toda sua grandeza.
Disso nós sabemos. E o mundo sabe, agora, qual é a proposta deste filme, além de retratar uma história da vida real!
O que trará de benefício para os jovens negros que neste momento estão nas mesmas condições de “Alessandro”, perambulando pelas avenidas movimentadas das grandes metrópoles?
Qual é o impacto financeiro da indicação desse filme ao "Oscar", na vida das mães, das filhas, irmãs, avós, tias desses jovens que são mortos sistematicamente, a cada dia, pela ausência de um compromisso, de fato e de direito, com a saúde, a educação, a moradia, o transporte, o saneamento básico e o lazer?
Qual é o resultado, para sociedade brasileira? O que muda na vida dessas pessoas? Nas nossas vidas? Qual a importância desse tipo de "filme documentário" ?
Qual o impacto para o "fim do tráfico de drogas"? Quanto da renda total do filme foi "destinado" aos familiares de "Alessandro" ?
Eu não acredito que não haja cineastas dispostos a mudarem esse enfoque! Eu acredito que há cineastas comprometidos com a necessidade de mudar o foco do cinema nacional.
Temos atores negros e atrizes negras extremamente competentes aguardando outros desafios para interpretar outros papéis que não sejam apenas os de protagonistas da vida que já viveram e que amigos e familiares ainda vivem.
O grande desafio do cinema nacional é realmente produzir filmes, com a mesma qualidade técnica, mas com outras temáticas que não a violência, o tráfico, as mortes, os tiros, as drogas. Não é só isso que é produzido nas periferias das grandes metrópoles do nosso País.
Que “moral” esses cineastas têm para elaborar críticas ao "crescimento da violência", quando enchem seus bolsos, engordam suas contas bancárias com a produção em série da miséria humana, tendo como co-autor a própria classe média da qual são oriundos?
Essa classe média que vive muito bem instalada em suas casas luxuosas, com viagens a Europa, Caribe, Ilhas Gregas e que tais... Com seus carros blindados; casas cercadas de seguranças e porteiros eletrônicos, participando solenemente de passeatas em prol da paz que insistem em escrever com “p” maiúsculo?
E ainda reclamam da falta de incentivo do governo brasileiro para o investimento na produção cinematográfica brasileira, com tantos talentosos cineastas excluídos por não se renderem à "chacina de cada dia".
Não tardará a aparecer nas telas "Eloá e o Príncipe do Gueto"! É lamentável ter essa certeza! Por isso eu torço muito para Jefferson Dee, Joel Zito Araújo, que desafiam bravamente esse sistema que tanto combatemos; que ousam em suas produções cinematográficas, outros ângulos positivos para atores negros e atrizes negras, onde a arte de interpretar não seja demonstrada, como nesses filmes, onde têm de ser "personagens de si mesmos".
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*Deise Benedito
Presidente da Fala Preta Organização de Mulheres Negras.
Membro do Forum Nacional de Mulheres Negras.
Membro do Forum Nacional de Entidades de Direitos Humanos.

Um comentário:

  1. Anônimo9/1/09

    Deise e Glória, eu não assisti nenhum desses filmes aí do texto, e não assistirei de forma nenhuma, mesmo que alguém de casa os pegue em alguma locadora, e sabem porque?

    Porque nunca achei que - mesmo com um "Oscar" que por ventura viesse a algum desses direitores - esse tipo de abordagem de um lado da miséria humana basileira só pode nascer da descriatividade de uma mente de um diretor nascido bem, com sobrenome "dessilvado".

    Trata-se do mesmo segmento da mídia que ensopa jornais com sangue pra atender as papilas das linguas capitalistas, tão frias.

    Não sou contra que se assista esse tipo de filme, porém, de minha parte, jamais assistirei ou estarei em algum grupo de discussão que, não tendo algo mais útil a fazer com seu tempo, fique nas TVs discutindo as "lindas fotografias", os "melhores enquadramentos" desses filmes.

    Diretores do naipe do desses filmes, são uma tropa de sanguinários "candirus", dos que jamais veem Deus nas cidades, e muito menos sabem a dor de se ter vivido dias-e-noites carandiruais.

    É preciso gritar contra isso!, como grita agora Deise...!!!!

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