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31 de mar. de 2008

Entrevista com Clarice Lispector

Clarice e Mineirinho
Publiquei no início deste blog, na coluna à direita, um trecho do conto Mineirinho da Clarice Lispector. Apaixonei-me por este conto à primeira vista. Acho que ninguém descreveu tão bem como Clarice a covardia, a impunidade e o abuso da polícia quando mata à revelia da lei, quando "a maldade de um homem é entregue à maldade de outro homem".
Sempre estanhei que, dentre as obras da Clarice, nunca ouvira referência a este conto. Esses dias, assistindo a uma entrevista dela no You Tube, a última da sua vida, o entrevistador perguntou-lhe qual era o seu filho predileto, dos seus escritos o que ela tinha mais carinho. Fiquei surpresa e encantada quando ela respondeu que era justamente “Mineirinho”, o conto que tanto me impressionou.
O entrevistador pede que ela fale o porquê dessa preferência por “Mineirindo" e qual enfoque ela deu ao conto. Ela explica:
“Foi uma coisa que escrevi sobre um bandido, um criminoso chamado Mineirinho, que morreu com 13 balas quando uma só bastava, e que era devoto de São Jorge e tinha uma namorada, aquilo me deu uma revolta enorme. O primeiro tiro me espanta, o segundo (não sei que-?), o terceiro (eu tiro coisa-?), o 12º me atinge, o 13º sou eu, eu me transformei no Mineirinho, massacrado pela polícia. Qualquer que tivesse sido o crime dele uma bala bastava, o resto era vontade de matar, era prepotência”.
Assista ao vídeo e confira:

E no conto, ela menospreza essa justiça que contemporiza com a barbárie policial:
"Uma justiça que não se esqueça de que nós todos somos perigosos, e que na hora em que o justiceiro mata, ele não está mais nos protegendo nem querendo eliminar um criminoso, ele está cometendo o seu crime particular, um longamente guardado."

30 de mar. de 2008

Juiz Sérgio Mazina

O despreparo do sistema

Entre as causas que conduzem crianças e adolescentes à criminalidade, quais são as mais fortes, do seu ponto de vista?
Há um complexo de fatores que são importantes para a produção da violência. De um lado, temos a exclusão de parcelas cada vez maiores da população dos processos econômicos, sociais e culturais. Isso acarreta em condições de vida excessivamente degradantes, o que implica no aumento da violência.
Do outro lado, temos um Poder Público historicamente orientado para atender interesses particulares e privados. É claro que, nesse sentido, a desorganização da polícia, da justiça e do Ministério Público é um fator altamente criminógeno. No que toca a delinqüência infanto-juvenil, acrescem-se outros fatores específicos, como a degradação das redes de educação pública no Brasil e a inexistência de uma rede de serviços públicos de apoio, acompanhamento e orientação da população mais vulnerável (tais como creches, serviços de assistência social e de saúde etc.).
Por outro lado, e atravessando todos os segmentos da sociedade, temos uma profunda crise: é como se os adultos não tivessem autoridade sequer sobre si próprios e, por conseqüência, também já não sabem exercê-la sobre seus filhos. Mas o que a infância e a adolescência mais precisam é de adultos diferentes, que estejam abertos a um olhar que as entenda como indivíduos diferenciados, vivendo uma situação de vida muito peculiar. Eles ainda estão em formação e precisam de muita atenção, muito respeito e muito amor, que é o que nós adultos estamos negando cada vez mais.
Como definiria sua experiência de enfrentamento diário com as questões do menor delinqüente?
Eu diria que o menor dos problemas é o adolescente infrator.
Essa talvez tenha sido a primeira grande lição que tive como operador deste sistema de justiça. Os adolescentes são indivíduos diferenciados dos adultos que cometem crimes - e para os quais eu voltava, até então, minha formação profissional.
Em segundo lugar, a constatação da necessidade - e da dificuldade - de conversar com os responsáveis pelos adolescentes. Na sua gigantesca maioria, são pessoas acostumadas a um Estado que se define por apenas três verbos: cobrar, expulsar e prender. O grande desafio é o de realizar um Estado que acrescente um quarto exercício, que realmente converse com essas pessoas. Curioso, no entanto, é que nossa formação profissional não está minimamente voltada a esse exercício da conversa, dessa troca. Finalmente, há de se reservar o maior de todos os desafios que consiste em lidar com um sistema de justiça que, à revelia do próprio direito existente hoje no Brasil, é ainda eminentemente punitivo, não tolerando uma percepção mais ampla daquela realidade e sempre buscando uma simplificação grosseira e massificada de suas rotinas. As grandes resistências às mudanças são dos próprios operadores do sistema de justiça, que não toleram abrir mão de papéis seletivos e punitivos que há muito invocaram para si.
Como lhe parece que o documentário Juízo retrata a questão e participa do esforço para reduzir a dimensão do problema?
É aquela idéia de iluminar alguma coisa que estava escurecida. Esse é o principal trabalho realizado pelo filme e o centro de sua importância documental. O filme Juízo se debruça sobre o imenso despreparo que atinge todos os operadores desse sistema de justiça, desde administradores das instituições privativas de liberdade - que não percebem o absurdo de disciplinar crianças como se fossem adultos - até, e principalmente, juízes, promotores de justiça e advogados. Desde os trajes grotescos que vestem até a linguagem estridente que empregam, tudo é feito para não conversar, para não dialogar, para não entender e para não ser entendido. Estamos diante de uma certa nobreza descoroada. Ninguém percebe a dimensão mais ampla do serviço público. Se essa é a justiça, então a vida corre à distância dela e sensibilizar-nos para isso foi certamente a maior maestria do filme.
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O Juiz Sergio Mazina é vice-presidente do IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Vice-presidente do IBCCrim e juiz da Infância e da Juventude na capital paulista. Lecionou Direito Penal na Faculdade São Marcos. Antes de ser transferido para a Vara da Infância e da Juventude, atuou durante 15 anos como juiz criminal. Publicou A obra coletiva Código de Processo Penal e Sua Interpretação Jurisprudencial.
(Se quiser ler outras opiniões sobre o documentário JUÍZO, clique aqui e baixe a versão em PDF na página)

27 de mar. de 2008

Resenha de "Juízo"

A facilidade com que se pisa nos miseráveis

Maria Helena Zamora
Juízo precisa ser visto. Como em seu documentário anterior, Justiça, Maria Augusta Ramos economiza na denúncia, nas situações que provocariam sentimentos exacerbados. Aqui, ela também não apela, mas fica à distância com sua câmera seca. Nada de drama, mas o cotidiano banal, a burocracia. Ela deixa conosco a tarefa de entender, elaborar e aceitar o que se vê. Ou a não aceitar e reagir.
O filme mostra a pantomima de uma Justiça moralizadora, que repete “recomendações salutares” aos jovens - de bom comportamento, de boas escolhas e, no trocadilho que dá nome ao filme, de juízo! Os juízes, diante dos jovens, mostravam exageradamente sua preocupação social, mas o que ficava latente era a enorme distância e incompreensão entre os jovens e quem julgava e invariavelmente condenava.
É um sistema que não sai da tradição penal de concentrar nessas vidas pobres e em suas famílias toda a culpa não apenas do ato infracional, mas da própria situação em que se encontram. Culpados por não estudarem, por não trabalharem, por serem rebeldes, por serem pobres, por quererem consumir... E a sociedade? Presumivelmente harmônica, igualitária?
E o Estado? Certamente assegurador dos direitos, cumpridor das próprias leis? E as instituições do sistema sócio-educativo? Seriam lugares onde retomar uma cidadania ameaçada e se respon- sabilizar por seus atos? Ambientes de estudo e de relacionamento saudável?
No Brasil, temos cerca de 14 mil adolescentes em cumprimento de medida sócio-educativa de privação de liberdade. Destes, cerca de 90% são meninos; 76% têm entre 16 e 18 anos; 63% não são brancos e destes, 97% negros; 51% deles não freqüentam mais a escola; 90% sequer concluíram o Ensino Fundamental e quase 86% são usuários de drogas. A maioria está em condições precárias, como a que o filme tem o mérito de mostrar, onde a brutalidade mal se disfarça, além de serem desprovidas de programas pedagógicos adequados. Quais são as chances reais dos jovens de melhorarem suas vidas e ressignificarem seus atos nocivos em tais condições e com tanta desvantagem? Quando teremos o juízo que recomendamos e cobraremos os devidos e prometidos direitos sociais?
Os adolescentes infratores têm aparecido de forma endemonizada na mídia. Parte-se do pressuposto que eles são os que mais cometem crimes – noção que é falsa. As propostas repressivas como soluções para a violência estão disseminadas – redução da maioridade penal, aumento do tempo de privação de liberdade. Tais propostas, bem como um Estado omisso e certas práticas de “justiça”, têm em comum apenas sua inoperância e a facilidade com que se pisa nos miseráveis. Veja Juízo e ouse pensar.
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Maria Helena Zamora é doutora em psicologia e vice-coordenadora do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social - LIPIS da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio, onde também leciona.
FONTE: Juízo, o filme clique aqui
FOTO: Um policial, em Natal, RN, pisa num rapaz supostamente suspeito de assalto. A foto ganhou o prêmio Vladimir Herzog e mostra como o país continua carente de uma cultura de direitos humanos.( Revista Época)

25 de mar. de 2008

Recomeço - Edição 141

JORNAL RECOMEÇO
Ano VII - Edição 141
Março de 2008
http://www.jornalrecomeco.com/

ABERTURA
Os Miseráveis - Victor Hugo
"Pode a sociedade humana ter o direito de sacrificar seus membros, ora por sua incompreensível imprevidência, acorrentando indefinidamente um homem entre essa falta e esse excesso, falta de trabalho e excesso de castigo? Não era, talvez, exagero a sociedade tratar desse modo precisamente os seus membros mais mal dotados na repartição dos bens de fortuna, e, conseqüentemente, os mais dignos de atenção?"
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MATÉRIAS
- Abuso de crianças em presídio - Ordem dos Advogados do Brasil
- A professora que incomodou a Justiça - Ruth de Aquino
- Falência das prisões - Robson Sávio Reis Souza
- Cartilha sobre abordagem policial - Folha de São Paulo
- Municípios de MG levam bomba - Jornal Estado de Minas
- Texto de um detento - Elias Martins Vieira Filho
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Nota
O site do
jornal Recomeço contém todas as edições do jornal impresso desde o início, em 2001.

24 de mar. de 2008

Documentário Justiça

Escuridão já vi pior de endoidecer gente sã
(Mais uma vez - Renato Russo)
Esta é uma das cenas mais tristes e revoltantes no documentário Justiça, de Maria Augusta Ramos, que recebeu inúmeros prêmios em festivais internacionais, desde 2004, quando foi lançado.
Alan (na foto) tem 18 anos, é asmático e pesa 38 quilos. É acusado de tráfico de drogas. Ao se sentar na mesa diante do juiz para ser interrogado, coloca as mãos para baixo.
"As mãos têm de estar em cima da mesa.", diz o juiz.
Inacreditável que eles tenham regras até para a posição das mãos e que o juiz se incomode com as mãos do menino magérrimo, mas não diz nada quando os réus interrogados, durante o documentário, relatam que foram espancados pela polícia no ato da prisão.

Num outro interrogatório, o réu está numa cadeira de rodas, as pernas são atrofiadas. Acusação: ter pulado o muro para cometer um crime qualquer. O juiz não dá a mínima atenção quando o réu diz "como é possível eu ter pulado o muro na minha condição?". - Você já estava assim quando a polícia te prendeu?, pergunta o juiz. O pobre infeliz responde que sim e pede ao juiz que o transfira para um lugar compatível com a sua deficiência física.
É inacreditável, mas o juiz responde:
- Eu preciso que um médico dê um atestado, procure um médico. Eu não posso fazer nada.

Não tenho dúvida: o Brasil seria melhor sem a escuridão dessa (in)Justiça.

NOTA
Maria Augusta Ramos lançou esses dias o filme Juízo, no qual trata da prisão de menores no Brasil e do quanto eles são demonizados pela mídia. Para ver a sinopse do filme clique aqui.

22 de mar. de 2008

Sentença condenatória

Apavora-me viver num país em que a defesa da Constituição constitui crime...
Desde que li a condenação de Maria da Glória Costa Reis, tenho escrito mentalmente algo para se publicar. Dezenas de tentativas frustradas: minha indignação é maior do que as palavras!!!!O que dizer?? Defender Glória, jamais!! Não é objeto de defesa alguém que é a personificação da bondade, da dignidade, da honestidade, e, sobretudo, da solidariedade...
Glória, ao denunciar a violação dos direitos fundamentais dos detentos, cumpria seu papel de cidadã em defesa da CONSTITUIÇÃO.
Apavora-me viver num país em que a defesa da Constituição constitui crime...Enoja-me viver num país cuja Justiça, muitas vezes, está à mercê de pessoas que se sentem tão superiores aos demais cidadãos, pessoas extremamente vaidosas, que não admitem críticas. Ao invés de se sentirem melindrados ou ofendidos, deveriam os responsáveis pela ação e condenação de Glória fazer uma visita à cadeia de Leopoldina para ver se a intenção dela foi difamar o Sr. Juiz ou colaborar com ele para que, avisado, pudesse intervir de forma eficaz no funcionamento da cadeia e exercer, assim, seu papel, enquanto juízes da Vara Criminal e de Execução Penal.
Por tudo que temos vivenciado neste país “quem NÃO deve , tem que temer”.
Maria da Glória, pode crer que 99% da população brasileira pede desculpas a você pela grande falha de uma de nossas INSTITUIÇÕES... e parodiando Cristo: "Perdão, senhora, eles não sabem o que fazem"
Emiliana Casagrande
Volta Redonda - RJ

21 de mar. de 2008

Absurda inversão de valores

Reforma penal e tolerância zero
ROBERTO DELMANTO JUNIORO
O furto de um CD player de um carro, quebrando-se o vidro, tem a mesma pena mínima do peculato, que é assalto aos cofres públicos
HÁ ANOS, em Nova York, implementou-se o programa "Tolerância Zero". Defende-se rigor com a pequena delinqüência visando obter a redução dos crimes violentos. No Brasil, há quem defenda a "tolerância menor do que zero", como certo governador (Folha, 8/2). Ele não está sozinho. Muitos juízes, com apoio de parte do Ministério Público, vêm inflando as cadeias (já superlotadas) ao resistir às penas alternativas, ao manter prisões em flagrante por furto de coisas insignificantes e ao decretar prisões provisórias de acusados que, se condenados, terão direito a pena alternativa ou em regime aberto. O resultado está na mídia.
Em Minas Gerais e São Paulo, são antigas as denúncias de cadeias que lembram o Holocausto. No Pará, o horror da adolescente presa com homens por tentativa de furto, estuprada por dias. Em Santa Catarina, uma adolescente e uma mulher ficam por dias acorrentadas a postes de delegacia. Em Maceió, acusado de furto de um queijo passa meses em cela desumana; outro, acorrentado (Folha, 24/2 e 10/2 deste ano, 25/11, 5/12 e 29/12/ 2007). A maioria dos presos submetidos a essa situação é de acusados por crimes contra a propriedade privada, ainda que praticados sem violência. Outra, de "mulas" do tráfico, sendo raros os grandes traficantes presos. Há outras formas de violência, contudo, que causam males mais graves à sociedade, as quais não são alcançadas pelo nosso sistema repressivo ou, quando o são, encontram indisfarçável benevolência.
Onde estão os arautos do discurso punitivo ao lembrarmos da violência da nossa desigualdade social? Da violência da total falta de perspectiva para jovens que estão a pedir esmolas? Da violência das filas na saúde pública e dos governos que não priorizam transformar favelas sem esgoto em bairros dignos? Da violência de gastar milhões para enviar um brasileiro ao espaço em vez de investir em educação? Da violência do desvio de dinheiro público em obras superfaturadas, sendo, por vezes, até reeleitos os políticos acusados da falcatrua?
Se o direito penal é um instrumento excepcional de proteção de bens como vida digna e liberdade para que todos possam encontrar condições igualitárias de desenvolvimento, não se pode conceber um sistema penal que priorize a proteção da propriedade privada, servindo à manutenção de um status quo altamente doentio não só em termos de desigualdade social, mas também de desigualdade punitiva.
Tamanha é a proteção da propriedade privada em nosso Código Penal que a pena mínima do roubo com arma de brinquedo é igual à do homicídio privilegiado, e a do furto, a mesma da lesão corporal grave. E mais, o furto de um CD player de um carro, quebrando-se o vidro, tem a mesma pena mínima do crime de peculato, que é assalto aos cofres públicos!
Afora essa absurda inversão de valores e o nosso vergonhoso sistema carcerário, o sistema penal enfrenta outros problemas que também clamam por reformas. Lembramos apenas quatro. O primeiro que a todos perturba é o da morosidade da Justiça, sendo grave o equívoco de um projeto do Senado que propõe acabar com a prescrição, em vez de enfrentar a lentidão. Se a Justiça já é lerda, será pior se não houver prescrição. Igualmente, o foro privilegiado para deputados estaduais, federais e senadores, além de prefeitos, governadores, ministros etc., que gera gritante impunidade. Afinal, todos deveriam ser iguais perante a lei. Envergonha o Brasil, também, a tortura e o abuso de prisões temporárias para obter confissões.
Quando um juiz admite a utilização de uma confissão policial para condenar, "desde que corroborada por outras provas", estimula-se, indiretamente, a busca pela confissão a qualquer custo. Puro resquício ditatorial. A pouca proteção a testemunhas é também fator que gera enorme entrave à busca da verdade. A mais urgente reforma, contudo, é a da mentalidade das autoridades, a fim de que se evite essa irracional "tolerância menor do que zero" para crimes menos graves, acompanhada de hipócrita benevolência com outras formas de violência que geram males muito maiores à sociedade.
Vivenciamos o absurdo. De um lado, as desumanas prisões tornando as pessoas piores, presas do crime organizado; de outro, a impunidade dos que desviam recursos públicos, que gera mais desigualdade social, mais injustiça, mais violência. Chegamos à triste constatação de que o atual sistema punitivo, em vez de combater o crime, está gerando mais criminalidade. O pior é acreditar no sistema sem enxergar o óbvio: estamos enxugando gelo.

ROBERTO DELMANTO JUNIOR, 39, mestre e doutor em direito pela USP, é advogado criminalista. É co-autor do livro "Código Penal Comentado", entre outras obras.
Fonte: Folha de São Paulo - 19 de março de 2008 - Caderno Opinião

Presos em Contagem, MG

É possível julgar o grau de civilização de uma sociedade visitando suas prisões.
Dostoievski, em "Crime e castigo"

19 de mar. de 2008

Manifestação de Manaus

Sobre a condenação da editora do jornal Recomeço
Soube do ocorrido e fiquei profundamente estarrecido com a situação, como se não bastasse toda a discriminação, intolerância e descaso cotidiano a que todos nós de origem pobre e/ou afro-descendentes estamos sujeitos, os que se insurgem contra o Status Quo e militam contra o desrespeito aos Direitos Humanos, passam quase que automaticamente a ser alvo de todo tipo de "fritura" moral/profissional... e mais recentemente de um processo de "inversionismo" (muito característico em sociedades meta-racistas/neo-capitalistas), culminando com ataques públicos, midiáticos e atos truculentos de quem em tese deveria assumir o dever oficial de defender os Direitos Humanos e garantir o trabalho nobre de seus militantes.
Pelo que entendi ainda é uma situação de primeira instância cabendo recurso..., situação em que deve prevalecer o bom senso e isenção... é o que esperamos e torcemos.
Juarez Silva - Manaus- AM
Analista de Informática / T.I. / Web, Consultor/Assessor, Professor ou Funções emergentes . Membro da ABED–Associação Brasileira de Educação a Distância (EAD). Membro da ABRAWEB – Associação Brasileira de Web Designers e Webmasters, Conselheiro Estadual de Direitos Humanos.

17 de mar. de 2008

Da revista Época

A professora que incomodou a Justiça
Coluna - Ruth de Aquino
Edição 513 - 17 de Março de 2008

O crime de uma professora aposentada foi escrever contra as péssimas condições de uma cadeia pública mineira.
Poucos a conheciam até que ela foi condenada a quatro meses de prisão por difamar um juiz. Maria da Glória Costa Reis é uma daquelas pessoas melhores que nós. Professora estadual aposentada, Glória se dedica a atender, como voluntária, "adolescentes em situação de risco social". E edita desde 2001 um pequeno jornal em que os presos de Leopoldina, Minas Gerais, escrevem artigos. O crime de Glória foi escrever um editorial contra as péssimas condições da cadeia pública da cidade e a negligência de juízes e advogados.
A professora, de 63 anos, magra, 1,65 metro e pouco vaidosa, com óculos de aro grande e forte senso de justiça, nunca imaginou que os 200 exemplares do jornal Recomeço pudessem incomodar tanto. Ela ganhou súbita fama, por obra de dois juízes. O juiz José Alfredo Jünger de Souza Vieira a processou, sentindo-se caluniado.

O detalhe é que Glória não acusou ninguém no editorial, publicado em 2005. O doutor Vieira vestiu a carapuça. A professora escreveu: "Não é aceitável a conivência de magistrados, fiscais da lei, advogados, enfim, operadores do Direito, com tamanha barbárie". Ela denunciava a violação, em Leopoldina, de direitos fundamentais dos detentos. Como a falta de banho de sol.
O juiz Vieira, ex-titular da Vara Criminal e de Execução Penal em Leopoldina, abriu inquérito contra Glória. Há dois meses, a juíza Tânia Maria Elias Chain condenou a professora criminalmente por difamação, com base na Lei de Imprensa. Como Glória é ré primária, a pena foi convertida em prestação em dinheiro. Ela não irá para uma cela, mas se sente num labirinto. Já chorou de indignação e impotência. Como pode uma defensora de direitos humanos ser condenada pelo crime de denunciar violações de direitos humanos? O certo e urgente, num país civilizado, não seria investigar se a cadeia de Leopoldina desrespeita a Constituição?
Só mesmo citando Kafka, como faz a professora em seu blog:
"O que aconteceu comigo é apenas um caso isolado e não teria grande importância se não resumisse a maneira como se procede com muitos outros além de mim. É por eles que falo aqui, e não por mim" (trecho do livro O Processo, do escritor tcheco que viveu de 1883 a 1924).
O caso de Glória Reis já atravessou as fronteiras do país como exemplo de repressão à liberdade de expressão e abuso do Poder Judiciário.
A sociedade, de maneira geral, está pouco se lixando para o que acontece nas prisões. Motins costumam emocionar apenas as famílias dos detentos. É como se nós, do lado de fora, nada tivéssemos a ver com o inferno da superlotação e dos abusos. É um raciocínio equivocado. Todos pagamos essa conta.
Em agosto do ano passado, 25 presos morreram num incêndio na cadeia de Ponte Nova, em Minas, após uma rebelião. Morreram abraçados. Vários estavam ali irregularmente. Deputados da CPI Carcerária pediram, no mês passado, a interdição da cadeia de Contagem, também em Minas. Prevista para receber 18 presos, ampliada para 40, tem hoje 122 detentos. O deputado Domingos Dutra (PT-MA) resumiu o caos: "Eles dormem no chão e precisam fazer revezamento. Alguns dormem no banheiro. Não há banho de sol. O inferno parece suave diante disso". O presidente Lula admitiu em discurso recente o descalabro dos presídios. "Se porrada educasse as pessoas, bandido saía da cadeia santo", disse.
Isso quer dizer exatamente o quê, excelentíssimos juízes doutores José Alfredo Vieira e Tânia Chain? Que nossas cadeias estão bem e devemos encarcerar a professora?
Se eu fosse o governador Aécio Neves, convidaria Glória Reis para uma audiência, com direito a cafezinho e pão-de-queijo, e a trataria como bem merece. Como cidadã acima de qualquer suspeita.

16 de mar. de 2008

Vade retro!

Moacir Japiassu no site Comunique-se
Pela publicação do editorial intitulado Que regime é este?, em agosto de 2005, a professora Maria da Glória Costa Reis acaba de ser condenada pela Justiça de Minas Gerais a quatro meses de prisão e multa de dois salários mínimos. A ela foi atribuído o hediondo crime de difamar publicamente o juiz José Alfredo Jünger de Souza Vieira, titular da Vara de Execuções Penais de Leopoldina (MG).
No editorial, a professora comentava as péssimas condições em que eram mantidos os presos da cidade, porém é necessário explicar que o execrado texto não foi publicado nas páginas do Estado de Minas, mas no Recomeço, jornal de 200 exemplares impresso em fotocópias e escrito pelos presos da cadeia de Leopoldina.
“Não é aceitável a conivência de magistrados, fiscais da lei, advogados, enfim, operadores de direito com tamanha barbárie”, escreveu Maria da Glória Costa Reis, e a colega do juiz José Alfredo Jünger de Souza Vieira, meritíssima Tânia Maria Elias Chain, titular da Vara de Juizado da cidade, entendeu que, sem citar uma única vez o nome daquele ilustre membro do areópago mineiro, assim mesmo o texto ofendeu sua honra e reputação.
Diante de situação tão absurda e não muito convencido da escolaridade de magistrados em geral, Janistraquis pede vênia pra meter a colher:
“Considerado, é bem possível que juiz e juíza não tenham entendido patavina do que estava escrito no editorial da professora...”
(Leia a íntegra da matéria publicada no, este sim indispensável, Consultor Jurídico.)

13 de mar. de 2008

Um juiz exemplar

Cabe ao juiz da execução penal ser o guardião dos direitos fundamentais dos cidadãos presos

Por respeito às leis e aos princípios, o juiz Gerdinaldo Quinchaba Costa, do Juízo das Execuções Criminais de Tupã (SP), determinou, em Expediente aberto por ele mesmo, que as penitenciárias sob sua jurisdição, que têm mais presos do que admite sua arquitetura, parem de receber novos condenados. O juiz entendeu que a superpopulação carcerária ofende a integridade física e moral “daqueles que se encontram encarcerados e amontoados”.

Para o juiz, superlotação carcerária é crueldade ilegal e não admite superlotação em penitenciárias sob sua jurisdição.

Cabe ao Judiciário exigir que sejam respeitados os direitos dos condenados.

Os juízes podem, por exemplo, aplicar menos penas privativas de liberdade e expedir menos decretos de prisão preventiva. O Legislativo poderia criar menos leis que endurecem a pena.
A superpopulação carcerária é prática que vai contra a Constituição Federal, a Lei de Execução Penal e vários tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Representa desprezo indesculpável ao ser humano que passa a ser tratado não como sujeito de direitos, mas como objetivo. Trata-se ainda de grave violação de direitos, que não se justifica nem mesmo para quem cometeu o crime mais brutal possível e atentou contra os direitos de outra pessoa.
Também considerou que acrescenta crueldade à pena, porque “as pessoas são amontoadas em local único, onde todos defecam, urinam, com espaço de movimentação restrito. Claro que da prisão deve haver conseqüências restritivas ao direito de ir e vir, mas não além do domínio de dignidade que deve ser conservada pela única razão de se tratar de um ser humano”.
De acordo com o juiz, a própria Lei de Execução Penal diz, no artigo 84, que o “estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade”.
“Se os órgãos administrativos não tomam providências para que essa regra seja cumprida, claro que o Poder Judiciário deve reagir”, escreveu Quinchaba na sentença. “No Estado Democrático de Direito, a limitação de presos dentro de estabelecimentos prisionais deve ser respeitada incondicionalmente”, diz.
“Por tudo isso, o juiz de execução penal, caso tenha a galhardia de compreender o papel constitucional que exerce, não pode concordar com as atrocidades que se cometem em matéria de execução penal"
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Para Alberto Zacharias Toron, advogado criminalista e presidente em exercício da OAB nacional, presos no Brasil são verdadeiros “dejetos humanos”.
De acordo com o presidente da OAB, o modo como os presos são tratados no sistema carcerário expressa “situação não somente de desrespeito aos direitos mais básicos de qualquer ser humano, mas de profunda humilhação, degradação e desconsideração absoluta à dignidade”.
Toron afirma que situações como a da jovem que esteve presa no Pará em condições deploráveis junto a 20 homens, a dos oito presos que morreram carbonizados em uma penitenciária em Minas Gerais e a mais recente, da superlotação e condições subumanas, não são compatíveis com uma sociedade regida por uma Constituição que proclama o respeito à dignidade humana. “Não basta pretender que haja a eficácia na Segurança Pública só com base na repressão se o Estado não sabe tratar os seus presos.”
Para contornar a situação, o Judiciário vai passar a fazer este ano inspeções mensais nos presídios, atendendo a resolução aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça no final de dezembro e que já está em vigor.
A resolução, de número 47, determina que os juízes de execução criminal devem realizar “pessoalmente” inspeção mensal nos estabelecimentos penais sob sua responsabilidade e “tomar providências para seu adequado funcionamento, promovendo, quando for o caso, a apuração de responsabilidade”.
O documento estabelece também que o juiz deverá elaborar relatório mensal sobre as condições do estabelecimento, que seria à corregedoria de justiça do respectivo tribunal. E ainda determina que os juízes devem compor e instalar, em suas respectivas comarcas, o Conselho da Comunidade, na forma da Lei 7.210/84.
De acordo com a presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie, a Resolução 47 regulamenta e fiscaliza as vistorias previstas na Constituição, “que não estão sendo cumpridas”, disse.
Notícia completa no CONSULTOR JURÍDICO

10 de mar. de 2008

Notícia no Jornal Nacional

Algumas entidades não-governamentais compareceram à Organização dos Estados Americanos para denunciar que o judiciário do Brasil tem sido usado em tentativas de impedir a liberdade da imprensa. A notícia cita a minha condenação como um dos exemplos desse atentado à liberdade de expressão. Só não completaram o mais absurdo: que o processo tenha partido do próprio judiciário com a cumplicidade do Ministério Público.
Veja vídeo do jornal: CLIQUE AQUI
Leia notícia completa:
Judiciário é acusado na OEA de impedir liberdade de expressão
Entidades não governamentais foram nesta segunda à Organização dos Estados Americanos denunciar que o Judiciário no Brasil tem sido usado em tentativas de impedir a liberdade de expressão.
A denúncia foi apresentada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, pelo Centro de Justiça e Direito Internacional e pelo grupo Artigo 19, que luta pela liberdade de expressão.
O governo brasileiro foi representado por uma assessora de direitos humanos da Presidência da República e por uma advogada do Itamaraty.
As organizações alegam que o uso excessivo de ações judiciais está restringindo a liberdade de imprensa. Um caso citado foi o da professora Maria da Glória Reis, que trabalha com prisioneiros em Leopoldina, Minas Gerais. Ela foi condenada a quatro meses de prisão por criticar, num jornal de circulação interna, as condições da penitenciária e a atuação de juízes e promotores.
O exemplo mais gritante é o das ações contra o jornal Folha de São Paulo e a jornalista Elvira Lobato. Foram 50 ações, em diferentes cidades, movidas por pessoas que diziam ter se sentido indiretamente ofendidas por uma reportagem sobre o patrimônio da Igreja Universal do Reino de Deus. Segundo a representante de uma das organizações, a forma como as ações chegaram à Justiça sugere uma ação orquestrada, com o objetivo de intimidar o jornal e a repórter.
“Essas várias ações tinham diversos trechos bastante semelhantes e, em alguns casos, as peças iniciais dessas ações eram idênticas, ou seja, vislumbrava-se aí realmente uma coordenação centralizada no ajuizamento dessas ações”, disse Paula Martins, da ONG Artigo 19.
Os representantes do governo dizem que a Justiça brasileira tem instrumentos para impedir a intimidação de jornalistas e órgãos de imprensa ao mesmo tempo que garante o direito que cidadãos e empresas têm de defender a sua integridade.
O grupo que veio apresentar o caso à OEA diz que o governo precisa tomar medidas práticas para que a Justiça não seja usada para impedir a liberdade de expressão.
Mas a representante do governo brasileiro, Camila Giunchetti, não deu apoio integral a esta queixa. "Nos pareceu que essas ações são esparsas e que o Judiciário tem dado a resposta adequada. Tem funcionado de maneira a repelir esses eventuais abusos".
O jornalista Fernando Rodrigues, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, discorda. "Uma medida que talvez pudesse ser muito simples e ajudaria tanto àqueles que querem litigar de boa-fé como aqueles que estão se defendendo seria, talvez, quando há dezenas de ações em várias cidades do país com o objetivo de paralisar o funcionamento de um órgão de imprensa, ou pelo menos prejudicar o seu funcionamento, que o primeiro juiz na primeira cidade que recebesse essa ação pudesse ser o juiz que julgasse todas as ações, visto que as ações são muito similares e sobre o mesmo assunto. E isso já é o que existe na Justiça Federal do Brasil, porém ainda não existe na Justiça Comum”.

9 de mar. de 2008

A sentença anunciada

"É melhor a senhora aceitar a transação penal porque não há a mínima possibilidade de absolvição, embora eu nem tenha lido o processo", disse a juíza Tânia Maria Elias Chaim

A decisão do plenário do STF, confirmando a revogação da Lei de Imprensa no mesmo mês em que saiu a minha condenação, faz todos pensarem que o episódio está encerrado. Não está. Há muito mais coisas envolvidas neste processo do que sonha nossa precipitada conclusão. É hora de se perguntar: "O que está por trás desta sentença?". Vamos por partes:

Litigância de má-fé
- Mesmo com a lei em vigor, não havia crime para a acusação. Portanto houve litigância de má-fé por parte do juiz e do promotor de justiça que me processaram. Por que o fizeram? Porque andavam incomodados com o jornal Recomeço por cobrar responsabilidade e atuação das autoridades competentes perante o quadro desumano da cadeia pública. Como se acham deuses e nunca são cobrados, sentiram-se injuriados por ver circulando um jornal (zinho) que ousava dizer: " Não é aceitável a conivência de magistrados, fiscais da lei, advogados, enfim, operadores do direito com tamanha barbárie. O regime atual é um desrespeito à Constituição, à lei, aos cidadãos deste país, enfim, à nossa inteligência”.
Não se pode admitir que um processo judicial seja utilizado unicamente para ameaçar, perseguir e intimidar, e mais grave ainda quando essa prática parte de altos funcionários da própria justiça. Tudo isso precisa ser investigado e corrigido para que o Judiciário não seja o poder de juízes que simplesmente resolvem servir a seus próprios interesses e tripudiar com a vida dos cidadãos.

Intenção de perseguir e coagir
- Sem eu ter cometido nenhum delito, durante quase três anos fui chamada à polícia e a várias audiências perturbando minha vida pessoal, emocional e financeira. Há que se perguntar: sobra tempo na comarca de Leopoldina? E as pilhas de processo que os juízes dizem que não dão conta? Como esse juiz, esse promotor e essa juíza tiveram tanto tempo para se ocupar comigo? Por que um jornal(zinho) de 200 cópias mensais mereceu tanta atenção e deferência de figuras tão "ocupadas"?
Em tempo: quero lembrar que o promotor de justiça é de Cataguases e teve que se locomover duas vezes para vir a Leopoldina em função das audiências no meu processo. Isso significa que dois dias do seu trabalho foram desperdiçados vindo a Leopoldina, obviamente sem falar nos outros tantos dias anteriores que ele usou para escrever e dar prosseguimento à acusação. Haja tempo!

- O tormento de uma audiência
Para os leitores privilegiados que nunca tiveram de comparecer a uma audiência, relato a minha experiência dolorosa e humilhante. Para começar, você entra numa sala, onde as autoridades estão a postos, e, diante da sua presença, não lhe dispensam um mero cumprimento, nem um simples boa-tarde. É como se ali entrasse uma barata ou um cachorro. Não..., me expressei mal! Se fosse um desses bichos, certamente, receberia alguma atenção. A barata causaria uns gritos, uma manifestação de nojo. O cachorro assustaria e algum dos presentes se dirigiria a ele para enxotá-lo. Mas, você, caro leitor, como eu e outros que tivemos de comparecer a uma audiência, não receberia nenhuma manifestação: somos menos que uma barata ou um cachorro. Durante todo o tempo na sala de audiência, você não recebe ao menos um olhar. É como se fosse invisível. Isso, invisível, fica mais exato.
Quando recebi intimação para a última audiência e vi lá escrito "audiência-interrogatório", fiquei mais aliviada. Pensei: "até que enfim, vão me interrogar, vou poder falar". Ledo engano. É um rito, no qual está tudo ensaiado e estabelecido. A verdade, os fatos não importam. Um teatro, no qual educação, paciência e cortesia não fazem parte da peça. A juíza me fazia algumas perguntas e quando eu começava a responder, já vinha um gesto grosseiro de impaciência para que eu fosse monossilábica. Até o advogado teve de insistir para me fazer algumas perguntas necessárias à minha defesa. Ela aquieceu, mas acelerando e atropelando as respostas. Enfim, só ela podia falar. Senti-me mal. Taquicardia, pensei que fosse ter um infarto. Chorei, de indignação e impotência.
Corporativismo
A juíza disse com todas as letras que, embora não tivesse lido o processo, eu já estava condenada, não havia possibilidade de absolvição. Praticou o pré-julgamento em função do meu acusador ser um colega de profissão. Justiça patética!

Relato tudo isso que, na verdade, gostaria de sepultar na minha memória. Mas, não, vou estar relatando até o fim. Quero uma justiça melhor para o meu país e para o meu povo. Se eu me calar, e todos nós nos calarmos diante do arbítrio, seremos cúmplices de séculos de autoritarismo e abuso de poder das autoridades sobre uma massa oprimida e sem voz.

Volto a repetir Kafka:
O que aconteceu comigo não teria grande importância se não resumisse a maneira como se procede com muitos outros além de mim. É por esses que falo aqui, e não por mim. Quero simplesmente apresentar ao julgamento do público uma anomalia que é pública.
(Franz kafka - O Processo)
NOTA
Esta semana enviei petição de INQUÉRITO ADMINISTRATIVO contra os responsáveis pelas irregularidades deste processo ao Desembargador Corregedor do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, José Francisco Bueno. Seguindo a linha da transparência e do direito à informação dos atos do serviço público, trarei aos leitores tão logo receba a resposta.

8 de mar. de 2008

Luiz Flávio Gomes

Nossa barbárie prisional: Brasil rumo ao troféu mundial da violência

O Brasil, com seus métodos prisionais medievais, desumanos e cruéis e sua frouxidão punitiva frente aos corruptos e corruptores, continua firme na sua “aguerrida batalha” pela conquista do título de campeão mundial da violência e da corrupção.No que diz respeito ao item violência, diante de tudo quanto foi noticiado sobre nossos presídios nos últimos tempos, pode-se prognosticar: ele vai chegar lá!
Já são 507 anos de atrocidades (ou melhor: de “investimento público” nas carreiras criminais dos excluídos e desdentados). Não se constrói um país violento e corrupto da noite para o dia. Nem a inércia por si só conta com força suficiente para isso.Em outras palavras: a conquista de um título (sobretudo quando mundial), ainda que nada honroso, exige muito esforço. É preciso agir e impor em todo momento a cultura da violência e da corrupção. O inimigo do sistema penal colonial e senzaleiro (cf. Carlos Guilherme Mota, em O Estado de S. Paulo , 9/12/07, p. J4) é um ser execrável e “mortável” (pode ser executado em qualquer momento, porque não é uma pessoa que exerça direitos, sim, uma coisa). Aliás, quanto mais “limpeza” se faz, mais pontos o Brasil conquista em sua “desenfreada corrida” no campeonato acima referido.
Em 1989, no 42º DP em São Paulo, 18 presos foram barbaramente asfixiados por policiais. Em 1992, na Casa de Detenção em São Paulo, 111 foram brutalmente executados. No ano 2000, 13 foram assassinados no presídio Mata Grande em Rondonópolis (MT). Em 2002, no presídio Urso Branco (RO) 27 foram mortos. Outros 30 foram mortos em 2004 na Casa de Custódia de Benfica (RJ). Em 2007, na Cadeia Pública de Ponte Nova (MG), mais 25 mortos. Em 2008 mais oito mortos na cadeia pública de Rio Piracicaba (MG) e assim por diante.
Mulheres acham-se mescladas com homens. Menores estão amontoados com adultos. Uma menor pode ser estuprada seis vezes por dia, durante um mês (e nada acontece). Um menor pode receber choques da polícia até morrer. Ninguém é preso por isso. Onde não há vaga, acorrenta-se o preso (como se fez em Palhoça - SC) e já está!
Tanta carnificina e desumanidade não pode ser fruto de “erros freqüentes” (como sublinhou Fernando Salla, em O Estado de S. Paulo , 9/12/07, p. J5). Essa violência ocorre dentro de um território que deveria ser administrado exclusivamente pelo Estado mas não o é, porque agora conta com a concorrência dos grupos organizados. Além disso, conta com a ação ou omissão das autoridades responsáveis pelo setor assim como com a conivência de grande parte da sociedade brasileira.
Desde o descobrimento do Brasil tudo se faz, sobretudo nos estabelecimentos que recolhem pessoas privadas da liberdade, em favor da violência, das atrocidades e da crueldade. Falta lei? Não. Leis existem. O que não existe é consciência de que devem ser cumpridas, respeitadas.
O horror dos presídios brasileiros historicamente só é denunciado (e gera certa sensibilidade) quando gente graúda nele é recolhida. Isso ocorreu, por exemplo, na Inconfidência Mineira, na Revolta dos Alfaiates, na ditadura militar, bem como nas recentes operações da Polícia Federal.Num país de tradição hierarquizada, o presídio (que só recolhe gente das subclasses, os “desqualificados”) é a última coisa com que sua camada dirigente “estamental, escravagista, colonial, senzaleira e tendencialmente corrupta” vai se preocupar. Afinal, não estamos falando de gente (cidadãos com direitos), mas sim de coisas, que ostentam hoje condições piores que no tempo da escravidão.Pelo menos naquela época havia preocupação com a mão-de-obra que o escravo prestava. No tempo do Estado Novo o jurista Sobral Pinto conseguiu a soltura de Harry Berger invocando perante Getúlio Vargas as normas da Sociedade Protetora dos Animais. Os presos brasileiros hoje nem sequer essa proteção vêm recebendo.
“Governar é prender”, dizia Francisco Campos, que foi Ministro da Justiça durante o Estado Novo. Essa absurda “lição” continua mais atual que nunca. Um terço dos presidiários brasileiros que se encontram recolhidos em presídios (120 mil) não tem sentença definitiva ( Folha de S. Paulo , 25/12/07, p. C1). São presos provisórios.O Brasil hoje já conta com 420 mil presos. Em cadeias públicas acham-se amontoados cerca de 60 mil (todos também provisórios). Isso significa que cerca de 40% dos presos ainda não foram condenados. Muitos são inocentes e serão absolvidos, mas já estão “cursando” as “faculdades do crime” que são os cárceres brasileiros.
Com todo esse “esforço” prisional estratégico, de lotar nossos estabelecimentos penitenciários com gente desdentada, analfabeta, etc, preparando-os para o futuro consistente em matar ou morrer, haveremos de conquistar o título tão cobiçado: campeão mundial da violência e da corrupção. Chegaremos lá!
Winston Churchill disse que os métodos penais de uma sociedade são o índice e medida do seu grau de civilização. Dostoiévski, por seu turno, afirmou: os standards de civilização de uma nação podem ser aferidos quando abrimos as portas das suas prisões. Pelo critério que acaba de ser exposto, o Brasil não é nada civilizado.Os presídios, incluindo os brasileiros, não têm nada de falência ou de fracasso (Foucault). Em muitos países eles foram feitos para delimitar certa forma de delinqüência, ainda que mediante violência e corrupção. Logo, vêm cumprindo fielmente suas finalidades ocultas. É dessa forma que o Brasil vai se transformando num forte candidato ao título acima anunciado.
Luiz Flávio Gomes -Doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito penal pela USP, Secretário-Geral do IPAN (Instituto Panamericano de Política Criminal), Consultor e Parecerista e Diretor-Presidente da Rede de Ensino IELF-LFG (1a Rede de Ensino Telepresencial da América Latina - Democratização do ensino em favor de todos - Pro Omnis - www.proomnis.com.br)

7 de mar. de 2008

Mais comentários no Consultor Jurídico

Thales Arcoverde Treiger (Advogado Autárquico)
Quem disse que em nosso país não há crime de opinião? Achei no mínimo curiosos os fundamentos da sentença condenatória. Se o problema da superlotação dos presídios não é do magistrado, por que ficou tão atingido, parecendo ter, como popularmente se diz "vestido a carapuça"? Cabe ainda informar se houve recurso por parte do Consultor Jurídico, já que a decisão, a meu ver e pela quantidade de comentários, se mostra importantíssima para a comunidade jurídica.
Juacilio Pereira Lima
Meus caros colegas comentaristas, vejam que belo motivo para o símbolo da Justiça usar venda: "Vergonha de muitos Magistrados".
JOZÉ ELIAS (Advogado Autônomo)
Mais uma da republiqueta das bananas, digna de risos. A ré faz trabalho mais importante do que de juíz e é condenada por dizer a verdade. Dá-lhe Rui Barbosa!

6 de mar. de 2008

O julgamento da sentença

Opiniões no site Consultor Jurídico sobre o artigo
Sérgio Niemeyer *
É o império da toga, cuja lei mais operosa é a lei da mordaça, que dispõe sobre o modo de evitar críticas às decisões judiciais, reprimindo, ou melhor, suprimindo o direito de livre manifestação do pensamento do indivíduo. Tudo para criar uma justiça por trás das letras da lei escrita, por trás das páginas dos códigos, uma justiça dos juízes, recrutados sem ostentar legitimidade popular. Se os juízes fossem eleitos, decerto o que sentenciou a professora não conseguiria reeleger-se.
* Advogado – Diretor do Depto. de Prerrogativas da FADESP - Federação das Associações dos Advogados do Estado de São Paulo – Mestre em Direito pela USP – Professor de Direito – Palestrante - Parecerista - sergioniemeyer@adv.oabsp.org.br

João Bosco Ferrara
É assim que age o Judiciário facista que impera no Brasil, formado por pessoas que, na maioria das vezes, deixam-se entorpecer pelo poder da toga e passam a impor suas preferências pessoais travestidas de justiça, essa justicinha minúscula, corporativista, que não admite crítica, e por isso vive como avestruz, com a cabeça enfiada na terra para não enxergar suas próprias mazelas. Mas o povo haverá de perceber isso e, um dia, levantará a verdadeira bandeira da independência, aquela que representa a liberdade ativa de que fala o Justice Stephen Breyer (ministro da Suprema Corte norte-americana).

Dijalma lacerda (Civil)
Vamos "esquecer" por um momento a condenação da professora e analisar a questão sob um prisma axiológico. Vale então a pergunta: afinal, os presos de Leopoldina, estão ou não estão passando pelas vicissitudes delatadas pela professora? Se estão, cabe uma outra pergunta: Quid Veris?

Luiz P. Carlos
Toda e qualquer desgraça Nacional emana do Poder Judiciário; se o prefeito não cuida dos hospitais, escolas, idosos, salubridade, moradia, impostos e tributos, só um juiz tem poderes para obrigá-lo a cuidar na forma da lei e ou com lisura e legalidade, se um policial é corrupto, se um político é ladrão, se uma autoridade prevarica, enfim, tudo numa democracia depende deste poder judiciário. Ninguém tem bola de cristal para adivinhar que o candidato mente em suas promessas, mas o judiciário tem poderes para proibi-lo de se candidatar. Depois de eleito, só o judiciário pode intervir e fazer com que se cumpra à Constituição. Reformas constitucionais, alteração de legislação, atos e contratos, licitações, etc., só o judiciário tem poderes para intervir. Nesse caso a miséria nacional se deve aos JUIZES, DESEMBARGADORES, PROMOTORES E PROCURADORES, coniventes com o esquema.

5 de mar. de 2008

Manifesto do EducaFórum

A condenação da professora Maria da Glória Costa Reis por denunciar as condições indecentes da cadeia de Leopoldina mostra o descaso de certas autoridades públicas, não apenas omissas, mas também covardes, ao ameaçar e punir os denunciantes. O lado positivo dessa sórdida manobra de dois juízes mineiros, aquele que deu início ao processo e aquele que condenou a professora, foi o fato vir a público e repercutir em todo o território nacional. Parabéns à professora Maria da Glória, que conseguiu manter o equilíbrio durante esse sórdido processo, permitindo que todo o Brasil pudesse tomar conhecimento do nível de mesquinhez e perversidade a que podem chegar certas autoridades brasileiras.
Giulia Pierro - São Paulo
Site EducaFórum

4 de mar. de 2008

REPÚDIO DA PASTORAL CARCERÁRIA NACIONAL

PASTORAL CARCERÁRIA NACIONAL - CNBB
Praça Clóvis Bevilácqua, 351, conj.501
Centro - 01018-001 - São Paulo - SP
Tel/fax (11) 3313-5735, 3227-8683, 3101-9419 -
http://www.carceraria.org.br/
Pe. Gunther A Zgubic - Coordenador Nacional


São Paulo, 24 de fevereiro de 2008

Manifesto de repúdio à condenação
de defensora de DH

A Pastoral Carcerária Nacional/CNBB vem a público expressar seu repúdio à condenação da professora Maria da Glória Costa Reis pela justiça da comarca de Leopoldina/Minas Gerais.
A professora foi condenada a quatro meses de prisão e a uma multa de dois salários mínimos por questionar a responsabilidade de operadores do direito quanto à situação precária da cadeia pública de Leopoldina num editorial do Jornal Recomeço (publicação editada por ela com a colaboração dos internos da unidade) em que escreveu “não é aceitável a conivência de magistrados, fiscais da lei, advogados, enfim, operadores de direito com tamanha barbárie”. A juíza Tânia Maria Elias Chain, titular da Vara de Juizado de Leopoldina, decidiu que, mesmo sem citar o nome do juiz uma única vez, o texto ofendeu sua honra e reputação.
A juíza titular baseou-se na Lei de Imprensa para condenar senhora Glória, lei criada durante a ditadura militar e que recentemente passa por um processo de revogação e alguns artigos estão suspensos pelo Supremo Tribunal Federal.
A Pastoral Carcerária conhece o trabalho da professora Glória há anos e reconhece que é uma das melhores iniciativas para os presos, egressos e familiares no sentido de inclusão social e cidadania pela mídia (no Brasil). Senhora Glória é pessoa reconhecidamente ética, responsável e íntegra, além do trabalho com presos, fundou duas entidades que cuidam de crianças carentes na cidade.
À luz das nossas informações da situação desrespeito aos direitos fundamentais da pessoa humana e do constrangimento ilegal em que se encontram os presos da cadeia pública de Leopoldina consideramos importante que as críticas da professora questionam inclusive os co-responsáveis operadores de direito de Leopoldina.
Repugnamos como um escândalo, uma cidadã sendo condenada como criminosa por ter criticado, com fundamento nas próprias cobranças da ONU[1] e das autoridades supremas do Estado do Brasil[2], os operadores de direito de Leopoldina por omissões perante as barbaridades, de fato, que se verificam nesta cadeia.
Vemos a condenação como inconstitucional e crime de tortura psicológica contra uma pessoa de maior mérito social. Estamos unidos com Dona Maria da Glória Costa Reis, em vinculação com todas as organizações de Direitos Humanos, na cobrança de uma Justiça a serviço dos direitos e garantias fundamentais como foram consagrados na Carta Magna do país. Clamamos às autoridades competentes a imediata correção de tamanha injustiça e abertura de inquérito administrativo contra os responsáveis pelo fato ilícito e cruel.
Desta maneira, a Pastoral Carcerária Nacional/CNBB requer o respeito da ilibada dignidade da pessoa de Maria da Glória Costa Reis, cidadã que luta pela melhoria do sistema prisional assim como esta Pastoral.
Pe. Gunther A. Zgubic
Pastoral Carcerária Nacional/CNBB


[1] Recomendações do Relator Especial da ONU Contra a Tortura Sir Nigel Rodley ao governo Brasileiro de 2001 – veja nos itens 1, 10 e 18.
[2] Protocolo de Ação Contra a Tortura, de 26/06/2003.

2 de mar. de 2008

O co-fundador do Recomeço

O jornal Recomeço continua recebendo manifestações de repúdio ao processo causado por seu editorial 117, no qual denunciou as condições desumanas da cadeia de Leopoldina
Desta vez, trata-se do nosso co-fundador Ronaldo Martins Pinheiro, engenheiro aposentado, de Niterói (RJ), sendo responsável, no início, em 2001, por toda a produção nos dois primeiros anos em que o jornal era diagramado em casa e impresso em impressora comum. Como Ronaldo mudou-se para a Bahia dois anos após a fundação do jornal, o Recomeço continuou sua trajetória contando com outros voluntários, até o dia de hoje, entrando em seu oitavo ano neste 2008. Mais uma vez agradecemos ao Ronaldo pelo seu trabalho voluntário em Leopoldina, entre estes a fundação do jornal Recomeço.
Segue a mensagem recebida hoje:
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Verdadeiro absurdo!!!
Tanta luta e tanto sangue derramado para livrar nosso país da ditadura e da opressão e até hoje temos que presenciar o uso desta que foi uma das mais deploráveis medidas do regime militar: a lei da "anti-imprensa".
Penso que quem condena alguém por uma lei desta está condenando a si próprio e quem é por ela condenado está sendo condecorado por sua coragem.
Gostaria muito que as pessoas que exercem os poderes neste país tivessem a mesma coragem que você tem para enfrentar as injustiças.
Ronaldo Martins Pinheiro
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