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9 de mar. de 2008

A sentença anunciada

"É melhor a senhora aceitar a transação penal porque não há a mínima possibilidade de absolvição, embora eu nem tenha lido o processo", disse a juíza Tânia Maria Elias Chaim

A decisão do plenário do STF, confirmando a revogação da Lei de Imprensa no mesmo mês em que saiu a minha condenação, faz todos pensarem que o episódio está encerrado. Não está. Há muito mais coisas envolvidas neste processo do que sonha nossa precipitada conclusão. É hora de se perguntar: "O que está por trás desta sentença?". Vamos por partes:

Litigância de má-fé
- Mesmo com a lei em vigor, não havia crime para a acusação. Portanto houve litigância de má-fé por parte do juiz e do promotor de justiça que me processaram. Por que o fizeram? Porque andavam incomodados com o jornal Recomeço por cobrar responsabilidade e atuação das autoridades competentes perante o quadro desumano da cadeia pública. Como se acham deuses e nunca são cobrados, sentiram-se injuriados por ver circulando um jornal (zinho) que ousava dizer: " Não é aceitável a conivência de magistrados, fiscais da lei, advogados, enfim, operadores do direito com tamanha barbárie. O regime atual é um desrespeito à Constituição, à lei, aos cidadãos deste país, enfim, à nossa inteligência”.
Não se pode admitir que um processo judicial seja utilizado unicamente para ameaçar, perseguir e intimidar, e mais grave ainda quando essa prática parte de altos funcionários da própria justiça. Tudo isso precisa ser investigado e corrigido para que o Judiciário não seja o poder de juízes que simplesmente resolvem servir a seus próprios interesses e tripudiar com a vida dos cidadãos.

Intenção de perseguir e coagir
- Sem eu ter cometido nenhum delito, durante quase três anos fui chamada à polícia e a várias audiências perturbando minha vida pessoal, emocional e financeira. Há que se perguntar: sobra tempo na comarca de Leopoldina? E as pilhas de processo que os juízes dizem que não dão conta? Como esse juiz, esse promotor e essa juíza tiveram tanto tempo para se ocupar comigo? Por que um jornal(zinho) de 200 cópias mensais mereceu tanta atenção e deferência de figuras tão "ocupadas"?
Em tempo: quero lembrar que o promotor de justiça é de Cataguases e teve que se locomover duas vezes para vir a Leopoldina em função das audiências no meu processo. Isso significa que dois dias do seu trabalho foram desperdiçados vindo a Leopoldina, obviamente sem falar nos outros tantos dias anteriores que ele usou para escrever e dar prosseguimento à acusação. Haja tempo!

- O tormento de uma audiência
Para os leitores privilegiados que nunca tiveram de comparecer a uma audiência, relato a minha experiência dolorosa e humilhante. Para começar, você entra numa sala, onde as autoridades estão a postos, e, diante da sua presença, não lhe dispensam um mero cumprimento, nem um simples boa-tarde. É como se ali entrasse uma barata ou um cachorro. Não..., me expressei mal! Se fosse um desses bichos, certamente, receberia alguma atenção. A barata causaria uns gritos, uma manifestação de nojo. O cachorro assustaria e algum dos presentes se dirigiria a ele para enxotá-lo. Mas, você, caro leitor, como eu e outros que tivemos de comparecer a uma audiência, não receberia nenhuma manifestação: somos menos que uma barata ou um cachorro. Durante todo o tempo na sala de audiência, você não recebe ao menos um olhar. É como se fosse invisível. Isso, invisível, fica mais exato.
Quando recebi intimação para a última audiência e vi lá escrito "audiência-interrogatório", fiquei mais aliviada. Pensei: "até que enfim, vão me interrogar, vou poder falar". Ledo engano. É um rito, no qual está tudo ensaiado e estabelecido. A verdade, os fatos não importam. Um teatro, no qual educação, paciência e cortesia não fazem parte da peça. A juíza me fazia algumas perguntas e quando eu começava a responder, já vinha um gesto grosseiro de impaciência para que eu fosse monossilábica. Até o advogado teve de insistir para me fazer algumas perguntas necessárias à minha defesa. Ela aquieceu, mas acelerando e atropelando as respostas. Enfim, só ela podia falar. Senti-me mal. Taquicardia, pensei que fosse ter um infarto. Chorei, de indignação e impotência.
Corporativismo
A juíza disse com todas as letras que, embora não tivesse lido o processo, eu já estava condenada, não havia possibilidade de absolvição. Praticou o pré-julgamento em função do meu acusador ser um colega de profissão. Justiça patética!

Relato tudo isso que, na verdade, gostaria de sepultar na minha memória. Mas, não, vou estar relatando até o fim. Quero uma justiça melhor para o meu país e para o meu povo. Se eu me calar, e todos nós nos calarmos diante do arbítrio, seremos cúmplices de séculos de autoritarismo e abuso de poder das autoridades sobre uma massa oprimida e sem voz.

Volto a repetir Kafka:
O que aconteceu comigo não teria grande importância se não resumisse a maneira como se procede com muitos outros além de mim. É por esses que falo aqui, e não por mim. Quero simplesmente apresentar ao julgamento do público uma anomalia que é pública.
(Franz kafka - O Processo)
NOTA
Esta semana enviei petição de INQUÉRITO ADMINISTRATIVO contra os responsáveis pelas irregularidades deste processo ao Desembargador Corregedor do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, José Francisco Bueno. Seguindo a linha da transparência e do direito à informação dos atos do serviço público, trarei aos leitores tão logo receba a resposta.

9 comentários:

  1. Anônimo10/3/08

    Continue, Glória. A função da dignidade é incomodar a injustiça. A função do escritor é expulsar o silêncio. Vamos fazer circular o seu caso. Estamos com você, amiga. "Estamos" eu e os injustiçados. Abraço fraterno.

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  2. Anônimo10/3/08

    Obrigada, amigo Urariano. Todos devem saber que esta luta é coletiva, que "a injustiça que se faz a um é ameaça que se faz a todos". Imagine como eles não tratam os pés-de-chinelo...

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  3. Anônimo10/3/08

    É inacreditável que isso aconteça com gente de tão alto conhecimento, a gente sempre pensa que juízes são pessoas educadas. Lamentável e triste.

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  4. Anônimo10/3/08

    Surpreende como depois de tanta luta parte de nosso judiciário ainda se considera com "direito divino" sobre tudo e sobre todos. Glória, hoje é fácil fazer greve e falar contra o executivo e o legislativo. Mas só pessoas com sua coragem são capazes de enfrentar aquilo que é mais difícil.

    Lembro Mario Benedetti:

    Não te salves
    Não fiques parado
    a beira do caminho,
    não congeles o júbilo,
    não queiras sem vontade,
    não te salves agora
    nem nunca
    Não te salves

    Não te enchas de calma,
    não reserves do mundo,
    apenas um rincão tranqüilo
    não deixes cair as pálpebras
    pesadas como juízos,
    não fiques sem lábios,
    não fiques sem sonhos,
    não penses sem sangue,
    não te julgues sem tempo.

    Mas se
    apesar de tudo,
    não pode evitar;
    e congelas o júbilo,
    e queres sem vontade,
    e te salvas agora,
    e te enches de calma,
    e reservas do mundo,
    apenas um rincão tranqüilo,
    e deixas cair as pálpebras
    pesadas como juízos,
    e te secas os lábios,
    e dormes sem sonho,
    e pensas sem sangue,
    e te julgas sem tempo,
    e ficas parado
    à beira do caminho,
    e te salvas;
    então
    não fiques comigo

    Do amigo
    Ronaldo Pinheiro

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  5. Glória:
    que as novas gerações saibam da existenência de pessoas como você na face da Terra.
    Que não se calam, que não abaixam a cabeça diante da prepotencia
    de "autoridades" fora da Lei.
    Sim, fora da Lei.
    Vamos caminhando,de mãos dadas.
    se preciso for,vamos todos
    para uma bela desobediência civil, para um querer ir presos(as)
    junto com você.
    Quem sabe, assim, a Justiça,cega, passa a enxergar.
    E fica menos vaidosa....
    Quem sabe?
    Minha solidariedade.
    jorn. Neide Pessoa.
    Representante do Sindicato dos
    Jornalistas Profissionais-MG,
    no Conselho de Defesa dos Direitos Humanos-Conedh-MG

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  6. Anônimo10/3/08

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  7. Anônimo13/3/08

    Ronaldo, que emoção rever o poema de Mário Benedetti... Tenho andado tão envolvida com o trabalho que tenho deixado a poesia de lado... Que bem me fez reler justamente esta do Benedetti que me marcou e me guiou em seu verso: "Não te salves nunca".Mais do que nunca estou com meus sonhos que, agora sei, são o caminho da realização.

    Querida Neide, suas palavras têm sido força para mim. Mais uma vez, obrigada, amiga!

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  8. Niemöller (1933) é o autor de uma das mais célebres frases sobre o significado do Nazismo na Alemanha:

    "Primeiro vieram buscar os judeus e eu não me incomodei porque não era judeu.
    Depois levaram os comunistas e eu também não me importei pois não era comunista.
    Levaram os liberais e também encolhi os ombros. Nunca fui liberal.
    Em seguida os católicos, mas eu era protestante.
    Quando me vieram buscar já não havia ninguém para me defender…"


    Que bom que alguém se importa.
    Parabéns.

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  9. Colega Professora,
    Nunca desista. Já estive há ponto de desanimar e recomecei. Você é uma vencedora, seu exemplo será uma semente que irá florecer para os nossos jovens tão sem heróis.

    Alex Palavrada

    palavrada.wordpress.com

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