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14 de mai. de 2009

Testemunho de um recuperando

TESTEMUNHO

Sérgio Cristiano Sobreira Ferreira
Recuperando da APAC de Itaúna-MG
Cursando o 1º Período do Curso de Direito da Universidade de Itaúna
"Meu pai me disse que o verdadeiro homem resolve seus problemas, não foge deles... Hoje posso afirmar que sou verdadeiramente feliz, porque ajudo a carregar os tijolos da construção de um mundo melhor."
Tenho trinta e um anos de idade, fui condenado a 21 anos e dois meses de reclusão. Dessa condenação estou cumprindo mais de sete anos. Três anos na APAC de Itaúna.
Aos 21 anos de idade cometi um duplo homicídio, em cinco minutos desci do céu e fui para o inferno. Em conseqüência desse crime, fui para a cadeia mais segura da região e conseqüentemente a mais violenta e superlotada, onde havia espaço para cinquenta, no máximo, ficavam constantemente com mais de 140 presos.
Após dez meses fui condenado e passei a lutar pela transferência para uma penitenciária. Queria ter o direito de cumprir minha pena num lugar que me desse condições de reparar meu erro. Percebi que naquele lugar eu não teria como continuar meus estudos, trabalhar, enfim, continuar buscando minha recuperação.
Os anos passavam e eu não conseguia minha transferência para a penitenciária. Isso fez com que eu perdesse a esperança, junto perdi os amigos, perdi a esposa, meu filho se afastou de mim. Da minha família só restaram três pessoas a meu lado; meu pai, minha mãe e minha irmã.
Perdi ainda a sensibilidade, aquele lugar me fez uma pessoa sem sentimento, a morte ou a vida não importava, a lei da sobrevivência me ensinou que só os fortes sobreviviam, foi assim que perdi também o medo. A mentira do sistema passou a ser verdade em minha vida. Aprendi todas as modalidades do crime, aprendi a cultivar o ódio pela sociedade. Estava indo contra todos os princípios que minha família havia me ensinado em liberdade, o que é pior, achava que aquilo era a atitude certa, estava cego. Perdi o sentido da vida.
Minha família continuava do meu lado, foi esse apoio que colocou um pouco de limite em minhas atitudes. Certo dia eu confessei para meu pai que iria fugir, ele, chorando, disse para que eu não fizesse isso, disse que eu era bom, que tinha certeza de que Deus iria trabalhar em minha situação, que ele não tinha trabalhado a vida toda para me sustentar e depois eu me converter em uma pessoa do mal. Que, se isso acontecesse, iria passar a ter vergonha de ser meu pai. Disse que o verdadeiro homem resolve seus problemas, não foge deles.
Eu havia chegado ao fundo do abismo, já não mais acreditava em Deus, pelo fato de estar naquela situação, não acreditava nas pessoas, não acreditava em mim.
Em respeito à minha família que mesmo diante daquela situação, a princípio sem solução, e também numa atitude de desespero, certa madrugada, quando todos os presos dormiam, resolvi ter uma conversa séria com Deus, mesmo não acreditando no criador. Falei para ele de meus fracassos, disse já não mais suportar meu fardo, disse ainda que queria pagar pelo meu erro, mas queria ser respeitado, queria que minha família, que não cometeu nenhum erro, também fosse respeitada, que, acima de tudo, queria voltar a ser olhado como ser humano, disse não entender o porquê desse erro estar colocando minha vida e de minha família em jogo. Fui sincero com ele. Nunca tinha sido tão sincero em toda minha vida.
Naquele momento eu não percebi, mas hoje vejo que a partir daquele instante, Deus começou agir em minha vida. Vejo ainda que usou pessoas para me ajudar. Daquele dia em diante, começaram a fazer parte de minha vida pessoas que outrora nunca os havia conhecidos. Foi uma dessas pessoas que me fez conhecer a APAC. Depois de tanto tempo ainda me emociono quando lembro do que me disse certa vez separados por três grades: “Sérgio, sei que você não é perigoso, eu o levaria agora para tomarmos um café em minha casa. Você terá sua oportunidade”. E tive.
Em 03 de Agosto de 2003 fui transferido para a APAC. No início não acreditei, pensei estar sonhando, eu que antes era taxado como de alta periculosidade. Para ir até ao médico era escoltado por vários policiais e agora estava em um presídio sem a presença de policiais ou agentes penitenciários, ou seja, uma prisão sem armas. Os recuperandos cuidavam das chaves, tomavam conta do presídio e se ajudavam mutuamente. Vi o ser humano sendo valorizado ao extremo.
Tudo isso fez com que eu fosse levado a fazer uma grande reflexão, chegando à conclusão de que aqui na APAC, Deus estava presente. Não tinha outra explicação para uma situação onde pessoas com condenações altas permaneciam no presídio. Percebi que Deus na sua infinita misericórdia estava dando a oportunidade que eu tanto lhe havia pedido, compreendi ainda através das aulas de valorização humana e em conversa com os voluntários que essa seria a minha última oportunidade. Confesso que meu processo de conversão não foi fácil, mais de um ano foi o tempo que gastei para tirar um pouco da revolta e seqüelas dos quatro anos no sistema comum e muitas delas sei que nunca vou apagá-las, mas, aqui, aprendo a conviver com elas.
Posso dizer com toda convicção de que aqui tenho a oportunidade que não tive em liberdade e que muitas pessoas precisam desta chance.
Na APAC terminei o ensino médio, conclui o curso Técnico em enfermagem, hoje estou realizando um de meus maiores objetivos, estou cursando o 1º Período do Curso de Direito na Universidade de Itaúna. Sei que preciso parar de fazer o mal, mas acima de tudo, preciso praticar o bem. Não posso afirmar que estou recuperado, percebo que sou melhor e que estou no caminho certo, mas minha recuperação será para o resto da vida. O dia em que eu achar que estou recuperado, que não preciso mais de Deus e das pessoas, com certeza neste momento estarei voltando para o inferno de onde saí.

Não quero passar de agressor para vítima, tenho consciência do meu papel nesta triste história que escrevi. Minha mensagem tem por objetivo mudar a atual situação do sistema prisional vigente, que subtrai a esperança do ser humano, transformando-o em verdadeiro animal, e o que é pior, um animal racional pronto para mais uma vez vitimar a sociedade. Tenho convicção de que os presos, de um modo geral, só agirão como verdadeiros cidadãos, a partir do momento que forem tratados como tal.


Hoje posso afirmar que sou verdadeiramente feliz, porque ajudo a carregar os tijolos da construção de um mundo melhor.
Sou grato primeiro a Deus e, em segundo, às pessoas que direta e indiretamente me ajudaram e continuam me ajudando. Essa gratidão é que me leva a ter força e perseverança para não mais praticar crimes. Não posso mais tratar com violência as pessoas que Deus usou para me ajudar.
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PS - Conheci o recuperando Sérgio por ocasião da sua visita à APAC de Leopoldina em junho de 2008, acompanhando o Diretor Executivo da FBAC, Dr. Waldeci Antônio Ferreira (foto acima, Sérgio está à direita, agachado). Voltei a encontrá-lo no mês seguinte, no Congresso Nacional das APACs, em Itaúna, MG. Foi com muita emoção que recebi, hoje, dois textos de sua autoria para publicar no jornal Recomeço. Amanhã publicarei o segundo texto, no qual ele fala o que significa a liberdade para quem está atrás dos muros da prisão.

Obrigada, Sérgio. Sabe como fico feliz de poder ser uma ponte entre os recuperandos e a sociedade, mostrando que vocês são seres humanos como todos nós e que, após o erro, pode vir o renascimento, conforme demonstra seu TESTEMUNHO.

6 comentários:

  1. Fernando Soares Campos14/5/09

    Glória, o Sérgio aponta os caminhos da ressocialização ou reinserção social daqueles que cumprem pena no Brasil: ou se faz um mal pior do que qualquer um deles possa ter cometido, transformando-os em zumbis, mortos-vivos, monstrengos; ou se resolve trabalhar com dignidade, aplicando os princípios humanitários, a inteligência a serviço da humanidade. Tem muita gente por aí que acha que está recuperado, perdoado dos crimes de corrupção, só por que dá esmolas aos mendigos na porta da igreja. . Chega de tanta estupidez.

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  2. Glória15/5/09

    Olá, Fernando, que bom você dar o ar da graça aqui no Recomeço. Anda sumido... Não tem escrito? Não recebo mais seus artigos instigantes. Abraços.

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  3. C.A.L5/1/11

    Olá, Sou da cidade de origem do Sergio o conheço e posso afirmar que a pessoa que o encontrou e disse que ele "não era perigoso" acertou, pois ele sempre foi bom carater de coração Humano e solidario o que aconteceu foi uma fatalidade e ele sofreu muito por isso pude visita-lo algumas veses na cadeia comum e vi que é desumano o tratamento que todos tem, è uma Tristeza sem fim, muitas veses pensei e me preocupei com o futuro dele tive muito medo de que ele saisse da cadeia não humanizado e sim revoltado, drogado... e que não fosse mais o sergio que conhecia,a pouco tempo o reencontrei e constatei que ele é o mesmo menino de mesmo coração, mesmo sorriso de 12 anos atras e por gostar tanto dele que eu quero agradecer de coração a todos que o ajudaram nesse processo, Que deus abençoe a todos que direta ou indiretamente contribuem com apac MUITO OBRIGADA!

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  4. É muito motivador saber de um trabalho que da certo por meio dos que vivenciaram o processo.

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  5. É muito motivador saber de um trabalho que da certo por meio dos que vivenciaram o processo.

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  6. Anônimo11/11/13

    SOU amiga sergio ja algum tempo . SEI tudo que ouve na vida dele . foi acoso por que ele e ser humano maravihhoso digno honesto de muito carater. sei hoje ele nao e mais mesmo sergio de antes esta mehhor .pois aprendeu valorizar mais mais liberdade esta realizando um sonho que e se formar .continua amigo companheiro e feliz mesmo depois de tantas tempestades posso ver hoje o brihho da vitoria em sua vida . .. parabens meu querido amigo sergio por permanecer essa pessoa que vc e ,. . .

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