Extinção do processo contra editora do
jornal Recomeço
Em 17 de janeiro de 2008, a juíza de Direito do Estado de Minas Gerais,Tânia Maria Elias Chaim, proferiu sentença me condenando a quatro meses de prisão e multa por "difamar" o juiz José Alfredo Junger de Souza Vieira, em editorial no jornal Recomeço, dia 06/08/05.
Acontece que o editorial não tem o nome do juiz que me acusou e o "crime" foi um dever de cidadão: denunciar as condições desumanas da cadeia local. Ou seja, não havia vítima, nem crime.
Está claro que um juiz, um promotor e uma juíza se uniram, usando do poder de seus cargos, para me condenar à prisão, sem que o Judiciário e o Ministério Público, enquanto órgãos da justiça, movessem uma palha para coibir o abuso de poder de seus pares.
Recebida a sentença, escrevi ao corregedor do TJMG, clamando por correção, não da sentença, é óbvio, mas do abuso de poder, do corporativismo e da incivilidade de seus juízes.
Pois mesmo diante da minha carta, relatando as irregularidades no processo e o abuso de autoridade dos juízes em questão, recebi como resposta uma peça "primorosa" do Corregedor Desembargador José Francisco Bueno, "dando total cobertura" à conduta dos juízes a quem cabia investigar e corrigir para melhoria da justiça.
" Não há nenhuma possibilidade de absolvição, embora eu nem tenha lido o processo", disse a juíza na audiência
Seria engraçada se não fosse trágica essa parte em que o corregedor diz que a fala da juíza na última audiência, dizendo que eu já estava condenada antes mesmo de ler o processo, foi para me esclarecer sobre a eventual aceitação de uma transação penal ou de uma suspensão do processo (pág.3). Na justiça, é com ameaças que as pessoas são esclarecidas?
Foi preciso eu procurar justiça fora do estado e do país. Todos ficaram perplexos. Era inacreditável. Eu recebia inúmeros e-mails e telefonemas de apoio e, principalmente, pedindo confirmação, se era verdade aquela sentença absurda.
A sentença absurda chegou à OEA através da ARTICLE 19 - "uma organização não governamental de direitos humanos que trabalha na promoção e defesa da liberdade de expressão e do acesso à informação e defende a descriminalização da difamação e o estabelecimento de padrões claros para o estabelecimento de multas em casos de difamação civil".
Sai no jornal Nacional: Judiciário é acusado de impedir liberdade de expressão, noticiando a excrescência jurídica denunciada na OEA: no Brasil, uma professora fora condenada à prisão por ter cobrado responsabilidade das autoridades frente às ilegalidades na cadeia local.
Em seguida, meu advogado, Dr. Nelson Vieira Neto, apelou da sentença.
Mês passado, após a revogação total da Lei de Imprensa (30/4/09), recebemos da apelação à sentença o seguinte despacho da justiça:
A ADPF 130/7 não está totalmente julgada, embora pelo número de votos já proferidos não se tenha mais como manter vigentes os artigos da Lei de Imprensa, que restarão revogados. Diante disto, a suspensão determinada pelo Relator será transformada em extinção do processo por inexistência de figura típica.
Só isso. Nenhum pedido de desculpas.
Nossa justiça é primitiva.
Mais: pré-histórica.
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Repito"O que aconteceu comigo é apenas um caso isolado e não teria grande importância se não resumisse a maneira como se procede com muitos outros além de mim. É por eles que falo aqui, e não por mim" (trecho do livro O Processo, do escritor tcheco, 1883 a 1924).AgradecimentoAgradeço a todos, ongs, entidades e pessoas amigas e mesmo desconhecidas, que me apoiaram integralmente nessa empreitada de enfrentar "um processo" injusto e absurdo. Pelo número, não posso citar todas as entidades que se envolveram efetivamente em minha defesa, mas vai um agradecimento especial à ARTICLE 19, à Pastoral Carcerária Nacional e à GTNM (Grupo Tortura Nunca Mais) cujas interferências foram decisivas na condução do restabelecimento da justiça e do uso desse lamentável episódio para melhoria do judiciário em nosso país.-------------------------------------------------------------------------------------
Correção da Justiça
O leitor da Folha de São Paulo, João Augusto Moliane, de Curitiba, PR, escreveu neste domingo: "A decisão do Ministério Público e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de investigar o Tribunal de Justiça de Alagoas é uma vitória da Justiça contra os marginais de toga.Esse tipo de investigação precisa ser feito em todos os Estados e mostrar resultados rápidos, em termos de condenações e ressarcimentos, para que possamos limpar o Poder Judiciário de sua banda podre."
O leitor da Folha de São Paulo, João Augusto Moliane, de Curitiba, PR, escreveu neste domingo: "A decisão do Ministério Público e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de investigar o Tribunal de Justiça de Alagoas é uma vitória da Justiça contra os marginais de toga.Esse tipo de investigação precisa ser feito em todos os Estados e mostrar resultados rápidos, em termos de condenações e ressarcimentos, para que possamos limpar o Poder Judiciário de sua banda podre."
Esperou-se demais extinguir a aberração da sentença dessa juíza de Minas Gerais. Essa extinção não apaga de forma alguma a mácula que uma decisão como essa deixa no Judiciário Mineiro.
ResponderExcluirPrecisa mudar o sistema carcerário, o Judiciário e tantas outras coisas nesse País, mas principalmente a mentalidade de muitos juízes que se sentem acima do bem e do mal, são os senhores do destino de muitos infelizes.
Até que enfim, Glória, demorou demais...
Obrigada, Marcos. Suas palavras dizem tudo, o quanto esta sentença é apenas uma sentença injusta entre tantas no judiciário. Eu tive defesa, os "infelizes", não.
ResponderExcluirEstou aliviada de saber que acabou esse pesadelo. Ainda bem que vc é guerreira e não deixou as coisas acontecerem sem correr atrás e mostrar a todos o absurdo de uma sentença injusta. Ou melhor nem deveria haver sentença, nem deveria haver acusação. Afinal de contas, vc foi acusada de que mesmo?
ResponderExcluirBeijinho, mana
Uma boa pergunta, Maria do Carmo...Até hoje ninguém entendeu. O que o abuso de poder não faz, hein? É capaz até de simular uma acusação só pelo prazer mórbido de coagir, dominar, pisar.Eles, que poderiam usar o poder para fazer o bem. Abraços, querida, obrigada pela força.
ResponderExcluirNeste momento, quando a sentença condenatória não existe mais, podemos deixar para trás todos os sentimentos ruins relativos a essa luta, o esforço despendido e a sensação de injustiça. Foi sofrido, mas isso de certo modo valoriza ainda mais o júbilo pela vitória final.
ResponderExcluirNão houve nem haveria pedido de desculpas. Há precedentes judiciais negando até mesmo indenização a pessoas processadas injustamente. Que dirá desculpas.
Imposta que a justiça prevaleceu. A duras penas e fora do país, o que nos assusta e envergonha ainda mais, porém prevaleceu.
Parabéns.
Caro Yúdice, a referência a um pedido de desculpas foi uma ironia, não percebeu? Justamente para sinalizar que seria demais um ato desse por parte da justiça brasileira, afinal pedir desculpas é um ato nobre... Quanto a "deixar para trás", ao contrário, estaremos sempre lembrando o episódio para que possa servir como mais uma alavanca de melhoria da nossa justiça. Não passei por tudo isso para que agora caia no esquecimento e autoridades continuem a usar de seus poderes para tripudiar covardemente contra o povo, ao qual deveriam levar solução de conflitos e justiça. Eu fui apenas uma, e os demais infelizes deserdados de defesa?
ResponderExcluirGlória,
ResponderExcluirAcabei de ler, parabéns pela sua luta e determinação! Que isso serve para nos incentivar a continuar a denunciar as injustiças e não calar nunca nem ante os obstáculos aparentemente insuperáveis, que aqueles que não querem as mudanças nos colocam a cada passo. Viva também a Internet que nos agrega e ecoa nossa voz!
É isso aí, Carol, lembrou bem a nossa missão de lutar contra as injustiças. Obrigada, amiga. E, realmente, viva a internet e... viva as amigas maravilhosas que nos dão força frente aos obstáculos.
ResponderExcluirFinalmente chegou o dia da Glória!!! Quem sabe a Justiça brasileira esteja num "ponto de mutação" e é graças a pessoas como a Glória que ocorrem mudanças como essa, que pode parecer pequena, mas certamente é muito significativa. Caberia agora, um processo de indenização por danos morais, querida Glória!!! Se você se sentir desconfortável com isso, pense como poderia ajudar tantas pessoas, não apenas com o seu exemplo, mas talvez até com a indenização, que você poderia dedicar às ongs que você já sustenta com o seu trabalho voluntário. Pense nisso.
ResponderExcluirSó li a boa notícia agora, estou atolada de trabalho, mas já vou copiar todo o seu depoimento no EducaFórum. Parabéns e um grande abraço!!!