Mãe investiga morte de filho e "condena" PMs
Após 6 anos de apurações e cobranças, Márcia de Oliveira Jacintho viu 2 policiais serem condenados por júri na terça-feira. Policiais tentaram simular confronto "plantando" arma e droga com Hanry, 16, morto com um tiro em 2002 no morro do Gambá, no Rio
(ITALO NOGUEIRA)
Durante seis anos, Márcia de Oliveira Jacintho, 46, investigou a morte do filho, Hanry, 16, com um tiro no peito, em novembro de 2002. Moradora do morro do Gambá, zona norte do Rio, ela colheu depoimentos, localizou testemunhas, conseguiu perícia no local e até direito estudou para provar que ele não morreu em troca de tiros com a polícia, como havia dito a PM, e sim assassinado.
O 3º Tribunal do Júri confirmou o resultado da investigação de Márcia na terça-feira e condenou o PM Marcos Alves da Silva a nove anos de prisão por homicídio doloso e fraude processual (simulou apreensão de arma e droga com Hanry) e o PM Paulo Roberto Paschuini a três anos pelo último crime. Os dois vão recorrer.
Hanry Silva Gomes de Siqueira cursava o 1º ano do ensino médio à noite -nunca havia repetido. À tarde, fazia aulas de futebol e informática. Segundo documento do Instituto Sócio-Educacional Pró-Cidadania (ONG onde fazia cursos) entregue à polícia, "tinha o sonho de trabalhar para se mudar com a família da favela".
A perícia indicou que ele foi morto com um tiro no peito em trajetória descendente (de cima para baixo). O laudo contraria o relato dos PMs, sobre troca de tiros com traficantes.
Saga
A saga de Márcia começou em 21 de novembro de 2002, quando a PM registrou na 25ª Delegacia de Polícia a morte de um jovem pardo como "auto de resistência" em confronto numa operação que envolveu dez homens. Entregou um revólver 38 e um saco de maconha, apresentados como do "traficante".
Era Hanry. "Fiquei desnorteada. Sabia que havia sido a PM, mas não como tinha acontecido." Três semanas depois, ela conversava com outras mães quando foi abordada por um traficante de fuzil no ombro.
"Tia, você é a mãe do menino que morreu lá no alto, né? Um cana [policial] que me pegou [prendeu] disse que tava com ele na mão [rendido], colocou [a arma] no peito [de Hanry] e apertou. O filho da senhora era inocente, não tinha nada a ver [com o tráfico]. A senhora tem que correr atrás", disse ele.
Testemunhas
Ela correu. Procurou quem tivesse visto o filho antes da morte ou detalhes da operação policial e os convenceu a depor.
Um menino que soltava pipa lhe contou os últimos momentos do filho: ele voltava da comunidade vizinha, Boca do Mato, sem camisa, de bermuda.
Ao ouvir um morador que havia encontrado no dia seguinte ao crime o chinelo e a chave de Hanry, Márcia identificou o local exato do crime: dentro do mato, a 44 passos da trilha que o estudante fazia. Tirou fotos do local, assim como via em séries policiais na TV.
Apenas com o ensino fundamental, ela fez trabalho de perita e advogada. Abandonou o emprego de vendedora e passou a cobrar investigação das autoridades. Contou com a ajuda da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia -onde hoje trabalha, como assessora do deputado Marcelo Freixo (PSOL)- e da ONG Justiça Global. A casa passou a ser sustentada pelo marido, faxineiro.
Quatro meses após o crime, ela enviou carta à então governadora Rosinha Garotinho. Na semana seguinte, foi chamada a depor na 25ª DP. Sua investigação passou a ser oficial.
No final de 2004, abordou o chefe de Polícia Civil à época, Álvaro Lins, no Palácio Guanabara. O inquérito passou para a Delegacia de Homicídios.
Com as informações que colheu com moradores -e "oficializadas" em depoimentos à polícia-, viabilizou a realização da perícia no local, com a presença dos PMs envolvidos, dois anos e um mês depois.
Com base em depoimentos de moradores, placas e números de veículos anotados, Márcia afirma que 11 PMs participaram da operação. Apenas a dupla que assumiu ter atirado foi denunciada -e condenada.
Ao final da investigação, já havia se formado no ensino médio e cursado o primeiro período de direito -trancado atualmente. "Tinha que me instruir para saber como agir."
Após 6 anos de apurações e cobranças, Márcia de Oliveira Jacintho viu 2 policiais serem condenados por júri na terça-feira. Policiais tentaram simular confronto "plantando" arma e droga com Hanry, 16, morto com um tiro em 2002 no morro do Gambá, no Rio
(ITALO NOGUEIRA)
Durante seis anos, Márcia de Oliveira Jacintho, 46, investigou a morte do filho, Hanry, 16, com um tiro no peito, em novembro de 2002. Moradora do morro do Gambá, zona norte do Rio, ela colheu depoimentos, localizou testemunhas, conseguiu perícia no local e até direito estudou para provar que ele não morreu em troca de tiros com a polícia, como havia dito a PM, e sim assassinado.
O 3º Tribunal do Júri confirmou o resultado da investigação de Márcia na terça-feira e condenou o PM Marcos Alves da Silva a nove anos de prisão por homicídio doloso e fraude processual (simulou apreensão de arma e droga com Hanry) e o PM Paulo Roberto Paschuini a três anos pelo último crime. Os dois vão recorrer.
Hanry Silva Gomes de Siqueira cursava o 1º ano do ensino médio à noite -nunca havia repetido. À tarde, fazia aulas de futebol e informática. Segundo documento do Instituto Sócio-Educacional Pró-Cidadania (ONG onde fazia cursos) entregue à polícia, "tinha o sonho de trabalhar para se mudar com a família da favela".
A perícia indicou que ele foi morto com um tiro no peito em trajetória descendente (de cima para baixo). O laudo contraria o relato dos PMs, sobre troca de tiros com traficantes.
Saga
A saga de Márcia começou em 21 de novembro de 2002, quando a PM registrou na 25ª Delegacia de Polícia a morte de um jovem pardo como "auto de resistência" em confronto numa operação que envolveu dez homens. Entregou um revólver 38 e um saco de maconha, apresentados como do "traficante".
Era Hanry. "Fiquei desnorteada. Sabia que havia sido a PM, mas não como tinha acontecido." Três semanas depois, ela conversava com outras mães quando foi abordada por um traficante de fuzil no ombro.
"Tia, você é a mãe do menino que morreu lá no alto, né? Um cana [policial] que me pegou [prendeu] disse que tava com ele na mão [rendido], colocou [a arma] no peito [de Hanry] e apertou. O filho da senhora era inocente, não tinha nada a ver [com o tráfico]. A senhora tem que correr atrás", disse ele.
Testemunhas
Ela correu. Procurou quem tivesse visto o filho antes da morte ou detalhes da operação policial e os convenceu a depor.
Um menino que soltava pipa lhe contou os últimos momentos do filho: ele voltava da comunidade vizinha, Boca do Mato, sem camisa, de bermuda.
Ao ouvir um morador que havia encontrado no dia seguinte ao crime o chinelo e a chave de Hanry, Márcia identificou o local exato do crime: dentro do mato, a 44 passos da trilha que o estudante fazia. Tirou fotos do local, assim como via em séries policiais na TV.
Apenas com o ensino fundamental, ela fez trabalho de perita e advogada. Abandonou o emprego de vendedora e passou a cobrar investigação das autoridades. Contou com a ajuda da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia -onde hoje trabalha, como assessora do deputado Marcelo Freixo (PSOL)- e da ONG Justiça Global. A casa passou a ser sustentada pelo marido, faxineiro.
Quatro meses após o crime, ela enviou carta à então governadora Rosinha Garotinho. Na semana seguinte, foi chamada a depor na 25ª DP. Sua investigação passou a ser oficial.
No final de 2004, abordou o chefe de Polícia Civil à época, Álvaro Lins, no Palácio Guanabara. O inquérito passou para a Delegacia de Homicídios.
Com as informações que colheu com moradores -e "oficializadas" em depoimentos à polícia-, viabilizou a realização da perícia no local, com a presença dos PMs envolvidos, dois anos e um mês depois.
Com base em depoimentos de moradores, placas e números de veículos anotados, Márcia afirma que 11 PMs participaram da operação. Apenas a dupla que assumiu ter atirado foi denunciada -e condenada.
Ao final da investigação, já havia se formado no ensino médio e cursado o primeiro período de direito -trancado atualmente. "Tinha que me instruir para saber como agir."
Fonte: Folha de São Paulo - 5/9/08 - Caderno Cotidiano
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