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6 de out. de 2008

Abominável tortura

É impressionante como se tem o hábito de dourar a pílula quando se trata de tortura neste país. No filme "Justiça", em que a cineasta Maria Augusta Ramos filma o cotidiano de um Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, vários acusados contam na audiência que foram torturados pela polícia no ato da prisão. E os juízes não manifestam a mínima reação.
Ali, no local da justiça, a TORTURA é ignorada pelas autoridades do Judiciário, justamente os encarregados de combatê-la.
A tortura no Brasil chegou a um estágio vitalício. Ninguém a enfrenta, a destrona. Juízes, promotores, desembargadores, governantes, a imprensa e a própria sociedade sabem que ela corre solta, mas praticam o ensaio da cegueira.
Quem são os torturados atualmente? Todos sabem: pobres e negros.
Então, é como se o coro dissesse, dando de ombros: "vamos em frente".
As notícias são diárias. Não é à toa que saem no caderno COTIDIANO da Folha de São Paulo. Vejamos a notícia de hoje:
Promotor leva 4 meses para notificar tortura
Roberto Tardelli suspeita que o delegado Jorge Miguel Filho tenha obtido a confissão de um réu mediante maus-tratos. Para Tardelli, não faz sentido que suposto comparsa do réu tenha ido à delegacia para confessar os crimes, como diz delegado
MARIO CESAR CARVALHO
Só um doidivanas acusaria o promotor Roberto Tardelli de ser condescendente com tortura. Uma das estrelas do Tribunal do Júri em São Paulo, Tardelli integra um grupo chamado Ministério Público Democrático, que tem como regra de ouro a defesa dos direitos humanos e do Estado de direito. "Tortura é inaceitável porque você desumaniza o réu, ele passa a ser uma coisa, um nada", teoriza. Tardelli, porém, demorou quatro meses para informar uma suspeita de tortura à Polícia Civil de São Paulo.Ele ouviu um relato de tortura no dia 4 de junho e só na última sexta-feira pediu que se encaminhasse o caso à corregedoria para investigar o delegado citado -Jorge Miguel Filho, do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa).O delegado, que foi transferido para o Detran, não quis comentar as suspeitas.
Na última segunda-feira, a Folha revelou que outro delegado do DHPP, José Vinciprova, fora acusado por um motoboy de ter obtido a confissão de nove homicídios por meio de maus-tratos. Vinciprova nega que as confissões foram conseguidas com o uso de tortura.
Caiu da cadeira
O próprio promotor diz que não é fácil esquecer a sessão do júri de 4 de junho por causa dos eventos inusuais que ocorreram no fórum criminal da Barra Funda. O réu caiu da cadeira na qual estava algemado ao ver o delegado entrar na sala. Ao questionarem por que tivera essa reação, o réu disse que o delegado o havia torturado.
O caso em julgamento era um homicídio duplo. O ajudante geral Fabiano Cecílio dos Santos, 26, era acusado de ter cometido os dois crimes com outro rapaz. Segundo a versão do delegado, Santos havia confessado os dois crimes e um terceiro. Não havia provas; só a confissão.
Confissão
Tardelli diz que a história contada por Miguel Filho não fazia o menor sentido: o suposto comparsa de Santos teria procurado a equipe do delegado para confessar os crimes. A confissão ocorrera às 21h, segundo o boletim de ocorrência."Perguntei ao delegado: então o réu saiu de casa à noite e procurou sua equipe para confessar três homicídios?", relembra. O delegado disse que sim, na versão de Tardelli.
"Para mim, a história acabou naquele momento. Ninguém sai de casa à noite e vai espontaneamente à delegacia confessar três homicídios. É uma história sem o menor sentido. Fiquei com a sensação de que teve porrada. Pedi a absolvição do réu", conta o promotor.
Santos foi absolvido e Tardelli combinou com a Defensoria Pública, que cuidava da defesa do ajudante geral, que encaminharia o caso para a Polícia Civil. O promotor disse que acabou esquecendo de fazer o despacho para a corregedoria. Ele disse que enviaria o aviso na última sexta-feira.Segundo ele, o caso de Santos mostra que os promotores não podem tratar relatos de tortura como se fossem uma estratégia de defesa do preso. "Promotor tem a mania de achar que o réu nunca fala a verdade. Esse cacoete é horrível porque pode acobertar casos reais de tortura. É preciso introjetar esses valores e não aceitar provas obtida sob tortura".
Sem denúncia
Apesar dos relatos de tortura do motoboy, o promotor Arual Martins não vê motivos para pedir uma apuração das suspeitas de maus-tratos."Ele repete os mesmos relatos de tortura, mas nós temos provas técnicas que contradizem o que ele diz. Não é uma confissão isolada. Temos provas balísticas. Se a tortura aconteceu, não posso dizer. Eu não estava lá", disse.As supostas provas apontam que dois crimes, dos quais o motoboy é acusado, foram praticados com a mesma arma.

Um comentário:

  1. Anônimo7/10/08

    Talvez fosse hora de retirar das mãos dos Senhores delegados o direito a interrogatório.

    Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu.

    Como não sou judeu, não me incomodei.

    No dia seguinte vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista.

    Como não sou comunista, não me incomodei.

    No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico.

    Como não sou católico, não me incomodei.

    No quarto dia, vieram e me levaram;

    já não havia mais ninguém para reclamar

    Martin Niemöller – pastor luterano alemão

    Um dia levam a nós mesmos, e aí quero ver como é a sensação da navalha na própria carne.

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