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5 de out. de 2008

Um horror de justiça

É o cúmulo da desorganização, incompetência e desrespeito com a vida humana. Enquanto uns mofam nas prisões por falta de atendimento na justiça, os juízes julgam mortos. Para suas excelências, pessoas são apenas "papel" para carimbar, escrever latim e juntar nas pastas.
Mesmo morto, preso é julgado até pelo STJ
"Maníaco de Higienópolis", morto na prisão em abril, recebeu na semana passada do TJ-SP pena de 5 anos e meio de reclusão. Casos como esse ocorrem porque não existe definição legal sobre quem tem a responsabilidade de informar à Justiça que o réu morreu.
Um homem morto em abril deste ano continua sendo julgado na primeira e na segunda instância na Justiça de São Paulo e até no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Sem a informação de que o réu já não vivia -o que extingue a possibilidade de ser punido-, desembargadores do Tribunal de Justiça julgaram na última quinta um dos recursos apresentados por Afonso Benedito Severiano Júnior, conhecido como "maníaco de Higienópolis".
A pena do defunto foi revista para cinco anos e seis meses de reclusão. Além desse julgamento, houve ao menos outro recurso julgado por desembargadores, em agosto deste ano. Em julho, três meses depois de morto, Severiano teve um pedido de habeas corpus submetido ao STJ, em Brasília. O caso foi julgado -e a liberdade negada- em agosto. Constam outros dez processos contra Severiano em primeira instância, no fórum da Barra Funda. Em dois deles, os juízes foram informados sobre a morte e extinguiram a punibilidade.
Nos outros, no entanto, não há essa informação.
Terra de ninguém
Um dos principais motivos para a confusão é que não há na lei penal determinação de quem é a responsabilidade de informar sobre a morte do réu, dizem criminalistas ouvidos pela Folha . O juiz só pode declarar extinto o processo depois de receber a certidão de óbito, que poderia ser enviada pelo defensor, pelo promotor ou pelo juiz de primeira instância. "É lamentável. Ocupa o tempo de julgar uma pessoa viva, o tempo do desembargador e do Judiciário", afirma o advogado criminalista Celso Vilardi.
Crime em Higienópolis
Severiano Júnior ficou conhecido como "maníaco de Higienópolis" em 2006, quando foi acusado de esfaquear e roubar o celular de 20 pessoas nesse bairro nobre do centro de São Paulo. Uma das vítimas, Amanda da Silva, 24, morreu. Condenado, ele estava preso na penitenciária de segurança máxima Avaré 1, no interior de São Paulo, onde morreu em 15 de abril -segundo a certidão de óbito, emitida em 17 de abril. A causa da morte, conforme o documento, foi asfixia por enforcamento.
A Secretaria de Administração Penitenciária diz que o detento foi encontrado enforcado com um lençol no setor hospitalar do presídio. A pasta afirma que, após a morte, a penitenciária mandou ofício para "autoridades policiais, juiz de direito do Decrim 2 (Departamento Técnico de Apoio ao Serviço da Vara de Execuções Criminais), gabinete da Secretaria da Administração Penitenciária" e avisou os familiares. O Decrim diz ter recebido o aviso. O Ministério Público e a defesa, porém, afirmam não terem recebido a notícia. A distância entre defensor público e defendido é outro fator que leva à desinformação. Não havia defesa no julgamento póstumo.
Fabiana Camargo Miranda, defensora pública designada em 2007, diz nunca ter tido contato com o réu. Avisada pela Folha de que o cliente estava morto, a defensora diz que não teve tempo para acompanhar o caso: "Somos poucos em São Paulo, não conseguimos ir sempre à prisão". O diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, o advogado Augusto Arruda Botelho, afirma que os defensores públicos estão sobrecarregados. "Erros até piores acontecem, homônimos sendo presos, pessoas sendo presas porque há no sistema da polícia um mandado de prisão em aberto sendo que não ele existe mais." Para Botelho, a falta de modernização e o excesso de demanda provocam erros operacionais da Justiça.
Fonte: Folha de São Paulo - 5/10/08

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